por Vitor Hugo Soares Com Blog do Noblat - O Globo
Março, em especial na sua fronteira com abril, é mês de muitas e em
geral amargas recordações para os brasileiros em geral, que cultuam a
democracia e a liberdade de expressão, e para este jornalista, em
particular, apanhado em uma operação da Polícia Federal dentro da sala
de aula da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, no
"mês 3", de 1969, e recolhido, algemado, a um quartel do Exército, no
bairro do Cabula, em Salvador.
Fato, então, noticiado apenas pelo jornal Estado de São Paulo, (em
discreta mas preciosa e talvez salvadora nota de uma coluna, enviada via
telex, ao Estadão, pela corajosa e saudosa Zilá Moreira, correspondente
do jornal na Bahia. "Amigos presos, amigos sumindo assim", na época em
que a PF se dedicava a bisbilhotar reuniões políticas, censurar as
redações da imprensa e a prender "estudantes subversivos" em luta de
princípios contra a ditadura. A favor e em defesa das maravilhosas
utopias da generosidade, paz e amor que então pontilhavam nas ruas, nas
escolas, nas universidades, nos livros e nas canções. Na Bahia, no
Brasil e no Mundo, os dias e o tempo eram assim, para sintetizar com os
versos de Ivan Lins, que Elis Regina cantava.
Bem ao contrário - embora no março que se foi e no abril que começa
tanto se fale em "golpe" - do que se vê e acontece atualmente: um País
mais atento e atuante (pela imensa maioria de seus habitantes, como
atestam as seguidas pesquisas de opinião divulgadas) acompanha e aprova o
firme, diuturno e inteligente esforço da "Federal" - em conjunto com
promotores do Ministério Público, e juízes do porte e da competência
técnica e profissional de Sérgio Moro (Lava jato)- na investigação,
prisão e julgamento de corruptos e malfeitores, a exemplo dos apanhados
nesta sexta-feira, 1º abril na Operação Carbono 14, desdobramento da
ação mater conduzida por Moro.
Gente que há anos age em escandaloso conluio de agentes públicos e
privados, para saquear valiosos patrimônios nacionais, a exemplo da
Petrobras, e promover rapinagem ou desvios monumentais em instituições
financeiras e grandes empresas públicas. "Golpes fiscais" e pedaladas de
governantes escatológicos e boca suja, que utilizam-se de bens da
sociedade como se fossem suas propriedades. Do tipo das que agora podem
custar o mandato da presidente petista Dilma Rousseff, como assinalou a
advogada Janaina Paschoal em seu brilhante, vigoroso e didático
discurso, quarta-feira, 30, na Comissão de Impeachment da Câmara.
Mas alto lá, não me venham com precipitadas conclusões, metralhadoras ou
pedradas verbais, tão comuns e gratuitas, neste tempo de armas
engatilhadas nas arquibancadas virtuais do Fla x Flu político em curso. À
espera de desavisado oponente a ser impiedosamente abatido na primeira
esquina de uma rede social qualquer. Ou (quem sabe?), mesmo em fortuito
encontro de rua, lançamento de livro ou sarau corporativo em entidade de
classe.
Não é nada disso, embora seja muito isso que você deve estar pensando,
para usar o fraseado poético do famoso compositor baiano que dizia:
"tudo é divino tudo é maravilhoso!”. Na verdade, o foco principal deste
artigo é de tributo à memória de Raimundo Reis. Ex-deputado estadual e
arauto nacional do antigo PSD, tribuno que fez história na Assembléia
Legislativa e imbatível cronista do amor e do cotidiano da Bahia, nos
anos 60/70 aos quais me refiro no começo destas linhas semanais de
informação e opinião.
Nascido em 4 de março de 1930, na cidade de Santo Antonio da Glória, na
margem baiana do Rio São Francisco, um dos núcleos principais onde
agora se desenrola o enredo da esplêndida (até aqui) novela das 9h da TV
Globo, "Velho Chico", Raimundo teria comemorado 86 anos no mês que
passou.
Morto em dezembro de 2002, - quando Lula e o petismo começavam a imperar
no Brasil, e a máxima de "não roubar e não deixar roubar" corria de
boca em boca, de governantes que chegavam ao poder e de militantes que
haviam tornado possível a façanha - o autor de "Geografia do Amor" e
"Enquanto é Tempo" (entre outros livros notáveis) fez história em sua
terra. Falou e escreveu muito (e bem), criou frases geniais e descreveu
fatos e personagens inesquecíveis em seus discursos parlamentares e nas
crônicas, publicadas durante décadas, no Diário de Notícias, Jornal da
Bahia, A Tarde e IC Shopping News. Lidas, amadas e sempre esperadas por
legiões de leitores, as mulheres em especial.
É de Raimundo Reis, por exemplo, originalmente, uma frase histórica e
lapidar: "Entre a Biblia e o Capital (de Karl Marx), o pessedista fica
com o Diário Oficial". Às vezes, o autor trocava na frase a Bíblia pela
Rerum Novarum, a encíclica do papa Leão XIIIdo sobre a condição dos
operários, mas o efeito e sentido não mudavam. A originalidade da máxima
e do autor foi reconhecida em artigo político brilhante, assinado pelo
jornalista Carlos Castello Branco, o Castelinho, no Jornal do Brasil.
Na mosca!.
Mas (foi dito no começo) o tempo passa e mudam os costumes, as pessoas,
os políticos e o governo, na tentativa de salvar ruínas e fazer seguir
tudo como está. Eis que o Governo Dilma (de Lula, Jaques Wagner e o PT)
parece jogar de vez os velhos princípios às favas, e apostar quase todas
as fichas na força histórica e avassalador do Diário Oficial da União.
Edições extras do DOU deram para circular agora depois do expediente
oficial ou na calada da noite: para nomear Lula ministro chefe da Casa
Civil (fato não consumado até agora), ou para o ministro da Fazenda, a
mando de Dilma sob pressão, apressar assinatura de medida antecipando
liberação de verbas orçamentárias, incluindo as de interesse de
deputados e senadores. Sob as asas do Diário Oficial monta-se e
opera-se, também, no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios,
o maior "shopping de barganhas" já visto, para salvar um governo e uma
presidente em apuros.
Isso é que é um golpe de verdade. Ou não? Responda quem souber.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
0 comments:
Postar um comentário