Gustavo da Rocha Shmidt: O Globo
No último dia 17 de abril, por 367 votos, de 513 possíveis, a Câmara dos
Deputados recebeu a denúncia formulada contra Dilma, por crime de
responsabilidade. O processo já seguiu para o Senado. Lá, por maioria
simples, os senadores poderão (ou não) confirmar o recebimento da
denúncia e afastar Dilma do cargo, devendo julgá-la no prazo máximo de
180 dias.
A tese de defesa da presidente pode ser resumida no seguinte lema:
“Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe”. O mantra é
reproduzido, incansavelmente, pela militância do PT e repercute nas
mídias sociais e nos meios de comunicação. Muitos dos que se opõem ao
impeachment pontuam que Dilma não promoveu qualquer desvio de verbas e
nem é acusada da prática de crimes de corrupção. É pessoa honrada e,
portanto, não poderia ser afastada, por divergências ideológicas ou por
mera incompetência gerencial.
É verdade: não é possível, a teor do artigo 85 da Constituição, o
impedimento sem crime de responsabilidade. O crime de responsabilidade,
contudo, não se confunde com os crimes comuns, previstos no Código
Penal. Não pode resultar na prisão do governante e nem é julgado por
juiz togado. É infração político-administrativa, cujo exame compete ao
Parlamento, podendo levar, apenas, ao impedimento para o cargo. Por isso
mesmo, a sua caracterização não exige prova da prática de atos de
corrupção. Isso é relevante para o Direito penal; não para o processo de
impeachment. Tanto assim que, muito embora Collor tenha sido absolvido
na Justiça comum, jamais se questionou a legitimidade do processo contra
ele deflagrado no Congresso.
O crime de responsabilidade, como bem diz o nome, guarda relação com o
dever dos governantes de cumprir as suas responsabilidades com
observância das leis e da Constituição. E uma das obrigações
presidenciais de maior relevo é respeitar as leis orçamentárias.
Entendeu a Câmara dos Deputados que a irresponsabilidade da presidente,
no campo do Orçamento público, com a abertura, por decreto, de créditos
suplementares e a prática das “pedaladas fiscais”, é causa suficiente
para a abertura do processo. Caberá agora ao Senado definir se houve
crime de responsabilidade.
O julgamento, como é da essência parlamentar, será eminentemente
político. E o eventual impedimento da presidente não importará em
qualquer mácula à democracia. O impeachment é instrumento típico do
sistema de separação de poderes e foi concebido, precisamente, para
coibir o exercício abusivo do poder. A preservação do regime
democrático, neste caso, é assegurada pelo cumprimento dos ritos legais e
constitucionais, isto é, pelo respeito às regras do jogo democrático.
Respeitado o procedimento previsto na Constituição e definido pelo
Supremo Tribunal Federal, Dilma poderá sofrer o impeachment, se for a
decisão de dois terços do Senado.
Seja qual for o resultado, não vai ter golpe.
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