EDITORIAL O ESTADÃO
É assim que se pode interpretar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de número 20/2016, apresentada recentemente por um punhado de senadores de diversos partidos para justificar a convocação de eleições presidenciais antecipadas para outubro deste ano. Diz a PEC que “os atuais ocupantes dos cargos de presidente e vice-presidente da República encerrarão os seus mandatos em 1.º de janeiro de 2017, e os eleitos exercerão mandato de dois anos, até 1.º de janeiro de 2019”, sendo então substituídos pelo presidente e o vice eleitos em outubro de 2018.
A justificativa da PEC, como é previsível, é defender a cláusula constitucional segundo a qual “todo o poder emana do povo”. Com isso, é claro que os parlamentares esperam despertar a simpatia do eleitorado e constranger o mundo político, pois ninguém, obviamente, haverá de discordar desse princípio basilar da democracia. Então o texto segue: “E é nos momentos de crise, quando o sistema político não consegue oferecer respostas aos desafios que se apresentam, que devemos, na maior medida possível, chamar ao centro do processo decisório o povo, legítimo detentor do poder”.
Ora, o poder emanado do povo se manifesta na forma da Constituição, elaborada por representantes eleitos democraticamente e aceita por todos, e na forma da representação política, consubstanciada pelo voto direto. A Constituição prevê a posse do vice-presidente Michel Temer – eleito pelos mesmos 54 milhões de votos dados à presidente Dilma Rousseff em 2014 – em caso de impeachment da petista. Qualquer outra solução que não seja essa representará uma ruptura da ordem constitucional.
Ademais, mandatos não podem ser encurtados, conforme se depreende do artigo 60 da Constituição, que trata das cláusulas pétreas, entre as quais a periodicidade das eleições. E faz todo sentido; afinal, que segurança jurídica teria um país com tamanha instabilidade institucional e com esse nível de desrespeito ao voto?
A explicação dos senadores mal esconde o caráter autoritário da proposta. “Na presente quadra histórica, somente quem passe pelo julgamento popular nas urnas contará com a legitimidade necessária para unificar uma nação dolorosamente dividida e corrigir os rumos da economia.”
Eis aí a grande impostura. Temer, assim como os senadores que querem impedir sua posse, passou devidamente pelo “julgamento popular nas urnas”, mas, na opinião de Suas Excelências, os votos que o vice-presidente recebeu não valem nada, pois não lhe conferem a “legitimidade necessária”. Quem são esses parlamentares para decidir quem tem e quem não tem legitimidade? Apenas pesquisas de opinião bastam? Se for assim, já que estamos no terreno das inovações criativas, por que então não se dissolve também o Congresso? Afinal, seus integrantes são muito malvistos pelos brasileiros, conforme muitas pesquisas.
Mas os defensores da convocação de eleições parecem não se importar nem com a Constituição nem com o ridículo. Para eles, como disseram os senadores na PEC, já está claro que “a população não aceitará, da parte de nenhum outro ator político, a convocação para superar os problemas, mormente quando isso significar impor-lhe sacrifícios adicionais aos já experimentados”.
Resolveram então os nobres parlamentares que “o povo” já decidiu que Temer não pode tomar posse. Não é à toa que teses semelhantes a essa já encontram simpatia entre os petistas. Com o jogo praticamente perdido, a tigrada não hesitará em abraçar causas que lhe deem alguma vantagem na disputa pela opinião pública, mesmo que sejam inexequíveis, como é o caso da antecipação das eleições. Embusteiro por natureza, o lulopetismo já batizou a iniciativa de “Diretas Já”, para comparar o atual momento à luta pelo fim do regime militar. É o típico golpe publicitário que prepara terreno para o golpe de fato. E gente que se diz de bem já encampa essa tese liberticida.
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