por Mary Zaidan Com Blog do Noblat - O Globo
Alívio. Nas Nações Unidas, a presidente Dilma Rousseff poupou o Brasil
do vexame da denúncia de um golpe que não é golpe que ela insiste em
dizer que é golpe. Foi prudente, comedida e elogiada. Não pelo que
falou, mas pelo que não disse. Poucas horas depois, pôs tudo abaixo. Na
entrevista à imprensa internacional despejou lamentações contra a
“injustiça”, proclamou-se vítima, rogou ao Mercosul e à Unasul punições
ao Brasil caso ela seja deposta -- como se os dois organismos fossem de
importância crucial para o país – e voltou a decretar a ilegitimidade de
seu vice, Michel Temer.
Não parou por aí. Jogou lama nas instituições brasileiras, criticando
ministros da Suprema Corte que rechaçam a tese de golpismo, engendrada e
propagada pela presidente e pelo PT, e a Câmara dos Deputados, que, por
maioria mais do que absoluta, aprovou a admissibilidade do impedimento
constitucional contra ela.
Talvez por ter lutado contra uma ditadura para tentar impor outra, Dilma
tenha dificuldades para entender o conceito de democracia na sua
amplitude. Fala sempre de seus 54 milhões de votos como se eles fossem
garantia perene. Na sua tacanhice de visão, democracia se restringe ao
ato de votar. Para ela, a vitória no sufrágio condena o eleitor a
engolir o escolhido, mesmo que o eleito não seja digno da representação
recebida.
Finge desconhecer que a Constituição confere a ela e a seu vice a mesma
legitimidade. Goste-se ou não do vice. E que a Carta tem instrumentos –
ainda que rígidos – para proteger o eleitor quando o eleito fere os seus
preceitos.
Não há dúvidas de que pedaladas e empréstimos não autorizados pelo
Parlamento aconteceram. O próprio governo admitiu isso ao pagar os
débitos pedalados no ano fiscal seguinte ao crime. Tanto que calca sua
defesa na afirmação de que todos os governos anteriores cometeram
delitos idênticos. Ainda que fosse verdade, se mantida a premissa de um
crime justificar outro, não só a proliferação delituosa seria endêmica
como se tornaria impossível qualquer punição em qualquer época.
Mas é fato que as pedaladas não são as responsáveis pelo repúdio popular
a Dilma e ao PT. Ainda que sejam definidas como crime de
responsabilidade previsto na Constituição, elas estão longe de ser
compreendidas pela maioria. Mas, assim como a sonegação fiscal, um crime
dito menor, acabou com o lendário Al Capone, elas têm a capacidade de
banir Dilma, o PT, Lula e todo rastro de imoralidades que eles
patrocinaram.
O brado contra o golpe fictício e a vitimização acabaram se tornando os
únicos e derradeiros tiros. Só que além dos públicos cativos eles não
atingiram outros alvos. Na mídia internacional, onde Dilma imaginou ter
fôlego para a sua pregação contra o “golpe”, pouco conseguiu
arregimentar fora do eixo bolivariano.
No máximo, Dilma colheu a defesa de eleições gerais na The Economist.
Não por se renderem à sedução da presidente vítima, mas por entenderem
que nem Dilma nem ninguém na linha de sucessão direta – Temer, Eduardo
Cunha (que a revista inglesa desconhece estar legalmente impedido de
assumir a Presidência da República por ser réu no STF), Renan Calheiros e
outras dezenas de parlamentares – teriam ficha limpa para assumir o
poder.
A prestigiada revista semanal inglesa acerta na sintonia com a demanda
popular, mas erra na viabilidade, inclusive constitucional, da execução
de um pleito extra.
O fora tudo é agradável e simpático de ser defendido. Parece ser a
solução para todas as coisas. Mas não é. Muito menos está no escopo
político de quem defende eleições já. No projeto protocolado na semana
passada no Senado, a proposta de novo pleito se restringe a presidente e
vice para um mandato tampão de dois anos. Não inclui os demais – nem
deputados nem senadores, que não emprestariam dois terços de maioria
para votar contra si.
Ou seja, cada defensor da ideia malandra de diretas já, da dona da Rede,
Marina Silva, ao PT, Lula e Dilma, sabe da impossibilidade da tese.
Eleições extraordinárias têm ritos a serem seguidos. O esforço de animar
a galera com elas quando se sabem improváveis é tão danoso quanto o
engodo da pregação do golpe. Ambos os discursos tentam ludibriar o
público. Pior: o fazem em nome da democracia, enxovalhando-a.
extraídaderota2014blogspot
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