José Nêumanne:
O sobrenome Calheiros tornou-se notório no noticiário policial dos
telejornais no começo dos anos 1980, mercê do conflito sanguinário
iniciado com a morte de Henrique Omena, cabo violento da truculenta PM
alagoana. O prenome Renan, em homenagem ao grande historiador francês
das origens do cristianismo, ganhou mais notoriedade ainda depois que os
tiroteios cessaram, talvez, quem sabe, por escassez de vivos a tocaiar.
Tudo isso se passou à sombra do alagoano nascido no Rio de Janeiro
Fernando Affonso Collor de Mello, quando este, dito “Carcará
Sanguinolento”, foi eleito presidente da República no fim daquele mesmo
decênio. Tendo o já então ex-chefe sido deposto, contudo, o antigo
faz-tudo estava fora do bando, servindo a outras bandas da política
pelas mãos de Zé de Ribamar, dito Sarney, maestro da velha UDN, da Arena
da ditadura e do PMDB da resistência. E lá foi Renan ser ministro da
Justiça do tucano Fernando Henrique Cardoso e presidente do Senado pelo
PMDB, na base de apoio de Lula e Dilma Rousseff, aos quais serviu com
astúcia, eficiência e sucesso. Teve de renunciar à presidência do
Senado, ao protagonizar escândalo em que foi acusado de receber propina
de empreiteira para sustentar uma filha e a mãe dela numa relação fora
do casamento. Mas ele voltou por cima e neste momento preside o
julgamento do impeachment da quase ex-presidente Dilma, posando de varão
de Plutarco, mesmo assentado em nove processos sob a égide do
procurador-geral da República, Rodrigo Janot – cuja recondução ao cargo
foi providenciada por ele no Senado – e do Supremo Tribunal Federal
(STF). Não é pouco, mas até agora não lhe causou grande mossa. Afinal,
Dilma, alvo do rumoroso processo, ainda hoje trata como inimigo o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do mesmo partido de Renan e como
ele egresso da base governista. Ainda que a Casa tenha decidido por
acachapante votação mandar o processo direto para o colo do solícito
anjo da guarda das pretensões de permanência da madama chefona.
Faz tempo que o rebento dos Calheiros, acusados de terem mandado matar o
advogado e político Tobias Granja, está a merecer o título de Carcará
Sanguinolento. Pois viu o ex-patrão reduzir-se a insignificante ratinho
domesticado. De posse da paróquia de São Gregório, por ter consagrado no
Congresso a prática de perder mais tempo discutindo prazos do que se
inteirando de acusações e provas, fazendo-o vassalo do calendário
gregoriano, tornou-se o grande Inquisidor. Em suas mãos repousa o poder
de acender a fogueira para incinerar o desastrado desgoverno
dilmolulopetiista. Foi assim que o pai do atual governador de Alagoas,
chamado de Renan Filho como convém numa oligarquia nordestina, e eleito
sob a sombra paterna e em pleno gozo da herança de abundância da água
fresca até no sertão, tornou-se o negociador-mor da República. “O
diálogo”, diz ele, “fortalece a democracia”. Renan não é definitivamente
um fofo?
Em vez de se ater a fatos e a autos, Sua Excelência passeia pelo Eixo
Monumental de Brasília a se reunir com gregos e baianos para produzir o
consenso da paz dos cemitérios, em que se enterram empregos e negócios,
também denominador comum do qual ele espera tirar proveito político.
Principalmente uma anistia por serviços prestados em todos os delitos
dos quais é acusado. Renan não privilegiou lado algum: conversou com a
presidente prestes a ser processada, com o vice-presidente pronto para
ser empossado e com o colega do clã de São João del Rey, na Minas
histórica, que ora preside o tucanato emplumado. E essa empalhada
empulhação com cara de conciliação nacional na hora da crise e do
pugilato teria de começar por um colega de prontuários. O tribuno que
chefia a Mesa do Congresso Nacional trocou afagos públicos com Luiz
Inácio Lula da Silva. Este é apontado em nota oficial da força-tarefa da
popular e impiedosa Operação Lava Jato como um dos “principais
beneficiários” da roubalheira que levou a Petrobras à lona e o Brasil às
cordas. Foi o encontro do profeta da fome com o faquir da vontade de
comer. Ambos, não por acaso, desejam o mesmo fim inglório para a
república de Curitiba, chefiada pelo juiz que virou herói no império
capitalista pelas páginas do semanário cujo nome significa o tempo todo:Time.
Da conversa de investigados pela polícia e pela Justiça escapoliram
cochichos inconfidentes, como a de que Lula flertou com o desvio da
Constituição representado pela antecipação de eleições. Mas foi lá mesmo
para se alistar como voluntário na empreitada pacificadora de nosso
moderno Bernardo de Vasconcelos no interregno entre Primeiro e Segundo
Impérios, além de herdeiro de Tancredo Neves, fundador da Nova
República, no enterro da ditadura militar. Pouco importa, se no dia
anterior àquele em que o ex-líder sindical fumou com ele o cachimbo da
paz, o ex-presidente tinha chamado os deputados federais de
quadrilheiros que formaram um pelotão de fuzilamento para estraçalhar a
tiros de fuzil a Constituição da República. Ensurdecido pelas balas
cruzadas entre Omenas e Calheiros ou pela guerra sem quartel de coxinhas
contra petralhas, o julgador-mor do destino da Nação no crítico momento
presente só tem ouvidos para o bem. Só por isso não percebeu que o
interlocutor e sua afilhada, objeto principal do julgamento que comanda,
há muito abandonaram tolas veleidades da madureza na defesa da velha e
boa democracia burguesa, sob cujo governo o Estado Democrático de
Direito se mantém hígido, embora enxovalhado em nossa velha Pindorama de
guerra.
O xará do grande biógrafo de Saulo de Tarso já garantiu que vai
antecipar a presença do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, seu
parceiro no sindicato dos solícitos dos poderosos que estão sendo
destronados, para garantir segurança jurídica à decisão a ser tomada
pelos 81 senadores. O pior de tudo é que não dá sequer para desconfiar
se esta é uma boa providência ou apenas um jeito de o filho de Murici,
onde aprendeu muito bem a não deixar que os outros saibam de si,
entregar o trapézio a um partner que
desperta tanta credibilidade quanto ele próprio. E vai em frente o
espetáculo mambembe em que a plateia é atraída pelo cuspe do ator global
Zé de Abreu e pela abundância muscular dos glúteos e do silicone que
segura as glândulas mamárias da Miss Bumbum da Esplanada. E Rainha da
Xepa do desgoverno que desmancha no ar podre sem nunca ter sido sólido
antes.
extraídaderota2014blogspot
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