Da sala de
interrogatório da Polícia Federal em Congonhas ao palanque na Avenida
Paulista, a versão oficial de Lula para estar entre os investigados na
maior operação de combate à corrupção da história brasileira não muda
uma vírgula. Segundo ela, o ex-presidente e seu partido seriam vítimas
de uma perseguição seletiva (apesar da operação envolver 117 presos e 50
políticos investigados de 6 diferentes partidos), destinada a acabar
com o PT e prendê-lo. O motivo? Para Lula, trata-se de uma vingança por
seu mandato ter tirado 36 milhões de pessoas da pobreza extrema e
permitido aos mais pobres viajar de avião. Só há um problema com essa
versão: ela é falsa, do começo ao fim.
O
comentário de Lula soa como um escárnio em meio a uma crise que todos os
dias leva 17 mil brasileiros à extrema pobreza, e que ao final, terá
reduzido dez milhões de pessoas a esta condição. Afinal, ainda que fosse
verdade que o ex-presidente tivesse garantido a ascensão social de
milhões de brasileiros, não teriam eles motivos de reclamar, agora que a
política de Dilma coloca o país em uma situação onde teremos zero por
cento de crescimento na renda entre 2010 e 2020? Ter gerado algo
positivo no passado torna Lula ou Dilma imunes a críticas? E ainda, se a
ascensão social dos brasileiros entre os anos 2002 e 2010 deveu-se a
Lula e suas políticas, por que elas deram tão errado com Dilma?
Como
explicou o ex-presidente em seu depoimento à Polícia Federal, seu
instituto existe para espalhar suas políticas para outros países – daí a
importância das dezenas de milhões por ele arrecadado. Afinal, como
Lula espera ter algo a ensinar aos outros presidentes quando ele mesmo
foi incapaz de ensinar algo à sua sucessora?
A resposta
para todas estas perguntas provavelmente é mais simples do que você
imagina: o crescimento da economia brasileira sob o governo Lula é muito
mais circunstancial do que ação de um líder ou um partido. O fracasso
do governo Dilma em replicar o crescimento testemunhado no período
ocorre pois não há receita original, uma vez que este crescimento não
foi originado pelo presidente Lula e sua equipe.
Aqui, preparamos uma lista com esse e outros mitos que você sempre acreditou a respeito do seu governo.
1. O mito dos 36 milhões de miseráveis a menos.
Foi em
2012 que o governo, por meio da Secretaria de Assuntos Estratégicos,
teve aquela que seria a mais conhecida pérola dos milagres alegadamente
realizados por Lula: a de ter tirado 36 milhões de pessoas da pobreza.
De acordo com a SAE, e um estudo do IPEA, a classe média brasileira
possui renda entre R$ 291 e R$ 1.019. Com este critério, mais da metade
dos brasileiros passaram a ser considerados classe média pelo governo.
O número
mágico, porém, tem uma explicação ainda mais esdrúxula. Em 2012, 36
milhões de pessoas eram beneficiárias totais do Bolsa Família e outros
programas sociais. Para o governo, portanto, se estes 36 milhões não
tivessem como receber os benefícios, seriam pobres ou extremamente
pobres.
Em seu depoimento à Polícia Federal, Lula reafirmou o número. Espantado, o delegado questionou.
“Então, o senhor está dizendo que antes do seu governo, 1 em cada 4 brasileiros era miserável?”
Lula concordou.
Para o IPEA,
porém, o número não passa de uma fantasia. Em 2002 havia no Brasil 14,9
milhões de miseráveis, e em 2012, 6,5 milhões. Uma queda, portanto, de
8,4 milhões. Para o mesmo IPEA, em 1992 havia 19,1 milhões. A queda na
pobreza, portanto, acelerou-se no governo Lula, puxada pela economia –
mas não há de fato nada que indique um milagre ou alguma
excepcionalidade na ação do ex-presidente.
Os números do IPEA, órgão ligado ao próprio Palácio do Planalto, não deixam dúvida – o governo inflou o número.
2. O mito do “crescimento”.
“Brasil,
Um País do futuro” é o título do livro de Stefan Zweig que faz a cabeça
dos nacionalistas brasileiros. A ideia de que o Brasil é uma nação
destinada a destacar-se mundialmente sempre foi muito tentadora – e o
crescimento de 11.000% da nossa economia ao longo do século vinte
parecia tornar isso mera questão de tempo. Apesar de todo este
crescimento, porém, ainda convivemos durante todo este período com uma
característica marcante: o rentismo.
Historicamente,
obter favores do governo sempre foi mais conveniente do que empreender
no Brasil – e viver às custas da ineficiência do governo, mais
conveniente ainda. Nenhum setor entendeu isto tão bem quanto o
financeiro. Até 1994, quando o Plano Real resolveu a questão da
hiperinflação no país, a inflação era responsável por gerar mais de 2/3
das receitas do setor bancário brasileiro e um lucro estimado em 2% do
PIB pelos economistas Simonsen e Cysne, no chamado “imposto
inflacionário”. Atualmente, este valor equivaleria a R$ 123 bilhões em
lucro caso não fosse extinto pelo Plano Real. Dezenas de bilhões em
lucro sem produzir nenhum bem ou serviço.
Acabar com
a inflação foi, portanto, um passo fundamental para obrigar que os
bancos atuassem como devem, fornecendo crédito e serviços. Em 2002, oito
anos após o plano Real, a receita era mais do que inversa: cerca de 95%
do faturamento do setor se devia a serviços ou empréstimos. Com as
finanças públicas e os próprios bancos saneados, o setor bancário estava
próximo para o próximo passo – a explosão de crédito.
Nenhum
governo se beneficiou tanto deste período de crescimento do crédito
quanto o governo Lula, e exceto por uma simplificação burocrática no
crédito imobiliário (criada pelo economista liberal Marcos Lisboa quando
ainda estava no governo), a participação de Lula para destravar o
crédito no Brasil é nula, ou muito próxima disso.
O
crescimento do crédito é em boa parte o responsável pela sensação de
riqueza que tomou conta do país. Poder financiar bens de consumo em 12
ou 24 vezes, algo que era inimaginável nos anos 80 ou 90, tornou-se
comum, fazendo com que, apesar do pouco aumento na renda (cerca de 48%
na média em 8 anos), a população estivesse consumindo muito mais do que
antes.
Fatores
externos como o aumento médio de 723% nos preços de commodities (aqueles
bens negociados mundialmente como café, soja, minério de ferro, etc),
colaboraram também para irrigar o país com recursos externos. Somados ao
investimento estrangeiro no país, a década de 2000 significou a entrada
de US$ 183 bilhões no país – recursos com os quais o governo bancou
inúmeros bens e serviços.
O natural
esgotamento da capacidade das famílias brasileiras de se endividar foi
um dos principais responsáveis para que o governo levasse os bancos
públicos a ampliar a oferta de crédito. Receosos de que as famílias não
mais iriam ter condições ou interesse em ampliar seu endividamento, os
bancos privados pisaram no freio, mas o governo insistiu na fórmula. Em
2013, cerca de 51% do crédito no país teve a mesma origem: os bancos
públicos. Como resultado, famílias, governo e empresas encontram-se hoje
endividados e sem condições de consumir ou produzir, diante da
incerteza do governo.
Em que
pese, o crescimento do Brasil sob o governo Lula em momento algum pode
ser considerado um milagre. Como em outros períodos da história
brasileira, o país cresceu exatamente o mesmo que a economia mundial, e foi o segundo país que menos cresceu no continente, à frente apenas do México.
3. O mito dos programas sociais.
Administrando
um orçamento que saiu de R$ 513 bilhões em 2003 para R$ 1,16 trilhão em
2010, o ex-presidente Lula certamente teve todas as condições possíveis
para ampliar investimentos sociais como aqueles determinados pela
constituição de 1988.
Não bastou
para Lula porém vangloriar-se do que fez e de onde gastou os recursos
que tinha. Sem discutir a eficiência do gasto, uma vez que a educação
brasileira ou o sistema de saúde brasileiro (que segundo o próprio,
beirava a perfeição) não tiveram melhora relativa em relação aos demais
países mundiais (como aqueles pesquisados pelo PISA), o ex-presidente
alega ter feito muito além do que a própria história mostra como
verdade.
Para Lula, sua gestão criou 16 universidades. Uma breve pesquisa revela
que se tratam na realidade de seis, ou quatro se você não considerar
que alterar o nome de “Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas” para
“Universidade Federal de Alfenas” não é de fato criar uma universidade
(sim, Lula alega ter criado uma universidade aí, onde desde 1914 existia
uma outra instituição já estabelecida).
Prática
comum de políticos brasileiros, alterar o nome de programas para
tratá-los como novos ou seus, tornou-se regra durante sua gestão.
Atribuir para si programas de décadas de existência, como o FIES, também
virou lei. Substituir nomes como o ‘Luz no campo’ (criado em 2000) para
“Luz para todos” (que Lula alegou em um programa eleitoral de 2010 ter
sido uma ideia genial apresentada por Dilma), virou praxe. Alterar ou
reagrupar programas sociais como o Bolsa Família, que substitui inúmeros
outros programas anteriores, foi a sacada da reengenharia criada pelo
mito Lula.
Uma breve
análise dos programas sociais de Lula – incluindo aí o “Bolsa
Empresário”, que distribui R$ 36 bilhões em subsídios para as mil
maiores empresas do país, via BDNES – mostra que os maiores sucessos
encontram-se exatamente onde o governo não é responsável por nada além
de repassar a verba. Enquanto as universidades federais tiveram queda no
número de formandos (entre 2008 e 2013), nas universidades privadas o
número explodiu. Enquanto o Bolsa Família foi um sucesso, o Fome Zero
foi um fracasso retumbante.
Em
resumo, Lula acertou onde não fez nada além de repassar os recursos
(Bolsa Família, Prouni, Fies, Minha Casa Minha Vida), e colecionou
fracassos onde a gestão (sob responsabilidade da gerente Dilma
Rousseff), era requerida, como nos três Programas de Aceleração do
Crescimento.
4. O mito da queda na desigualdade.
Fazer o
pobre andar de avião é motivo suficiente para causar revolta na classe
média, segundo Lula e seus seguidores. A concepção é absurda, mas não
tanto quanto a ideia geral de que o sucesso obtido pelos brasileiros em
ampliar sua renda ou consumo deva ser considerado mérito direto do
governo. Se uma pessoa acessa a universidade, se esforça para passar no
vestibular e concluir o curso, o mérito deveria ser da própria pessoa ou
do presidente em questão? A pergunta parece sem sentido, mas as coisas
tendem a ficar mais absurdas ainda quando vemos o real peso do governo
em diminuir a desigualdade no país.
Segundo
um estudo do IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão do
governo, a queda na desigualdade brasileira, iniciada em 2001, possui
como principal causa, não a ação direta de programas sociais, mas o
acesso ao mercado de trabalho. Para pesquisadores como Ricardo Paes de
Barros, o acesso ao emprego explica mais da metade da queda no índice de
Gini, que atesta a desigualdade de um país. Programas sociais foram
responsáveis por menos de 1/5 na queda. E se você ainda tem alguma
dúvida sobre a veracidade da afirmação de Lula de que criou 10 milhões
de empregos, é recomendável que volte ao ponto 2.
Para outro estudo do Ipea,
a ação do governo é diretamente responsável por 1/3 da desigualdade de
renda no país. Apenas dois indicadores, a aposentadoria e os salários
dos funcionários públicos, são responsáveis por todo este peso (ainda
seria possível incluir o acesso desigual às universidades públicas, onde
59% dos alunos estão entre os 20% mais ricos da população, ou os
subsídios estatais via BNDES). Neste sentido, as ações do governo em
nada contribuíram para resolver o problema.
Na parte
que efetivamente cabe ao governo atuar, Lula nada fez para alterar o
quadro de desigualdade – pelo contrário, continuou fornecendo favores a
empresários, e com o que sobrou, garantiu o pagamento do Bolsa Família,
programa originalmente criticado por economistas do PT, como Maria da
Conceição Tavares (e pelo próprio Lula).
O caráter privatizante do Bolsa Família (uma vez que apenas entrega o
dinheiro, não entrega comida ou serviços estatais) jamais foi bem visto
por Lula e seus conselheiros econômicos até a ideia arrebatar milhões de
votos.
Toda a
queda na desigualdade, porém, está ameaçada agora – uma vez que a
recessão joga de volta à pobreza milhões de brasileiros, destrói
empregos e gera estagnação na renda, além da perda do poder de compra
com a inflação.
Não há
dúvida de que a década de 2000 tenha representado um período positivo
para a economia brasileira. Apesar de não resolvermos os problemas
relativos à nossa produtividade, que foi mascarada pela política de
aumento do salário mínimo (que subiu três vezes mais do que a renda
média, o que na prática significa dizer que quem ganhava 3 salários
mínimos em 2002 passou a ganhar 1 em 2010), a economia brasileira
cresceu menos que as demais no continente – mas se desenvolveu,
mostrando como, ainda que seja pouco e não tenhamos nos preparado, um
pequeno choque externo é capaz de animar nossa economia e dar novos ares
a milhões de brasileiros, antes excluídos do mercado de consumo.
Tudo isso, no entanto, como a atual década perdida não deixa dúvida, apesar do PT.
extraídadespotniks
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