Jornalista Andrade Junior

domingo, 3 de abril de 2016

O impeachment é o menor dos nossos problemas



O país está parado; na verdade, recuando. Vamos para dois fortes tombos consecutivos no PIB, algo que não acontecia desde 1930, e as consequências já são devastadoras para boa parte da população. O endividamento público e das famílias está fora de controle. O governo já espera um déficit público colossal de cem bilhões de reais no fim do ano e se essa é uma expectativa sua – logo, certamente será maior. Tudo leva a crer em mais um impeachment presidencial. Provavelmente até o fim do primeiro semestre novas raposas executivas tomarão conta da granja no Planalto. Na verdade, são velhas raposas. Perceba, tudo isso tem pouco a ver com personagens e mais com bons e maus incentivos, apesar de personagens poderem potencializar problemas. De qualquer maneira, um impeachment dificilmente surge num cenário com bons indicadores. O impeachment é um processo majoritariamente político. Já os bons indicadores dependem de boa ciência econômica.
Neste mês de abril, quase certamente, o processo de impeachment será votado na Câmara. Réus e futuros réus se recolherão para suas bases eleitorais e serão bons ouvintes dissimulados de seus representados. Todos os e-mails não lidos já estarão na lixeira. Trocarão alguns telefonemas com seus líderes partidários e financiadores. Líderes gentilmente recomendarão o sim ou o não baseados num novo esboço do organograma de verbas, cargos, propinas e punições. Financiadores querem celeridade na manutenção e ampliação de seus privilégios e mecanismos que favoreçam sua perpetuação no mercado. Por fim, munidos dessas informações, os excelentíssimos representantes do povo participarão da festa VIP da democracia. A novidade dessa vez ficará a cargo dos senadores. Em caso de aprovação do afastamento na Câmara, a maioria simples do Senado pode passar por cima dos dois terços da Câmara e barrar a festa. O Supremo Tribunal Federal através da hermenêutica e técnicas forenses somente disponíveis em 2015, encontrou um borrão que fazia menção a tal possibilidade entre as diversas camadas ocultas de papel da Constituição e leis relacionadas. Estado Democrático de Direito é coisa séria.
As causas do problema atual estão nas linhas e entrelinhas acima. O que tem falhado é justamente a nossa ideia de Estado Democrático de Direito. A partir da nossa Constituição atual, promulgada em 1988, das demais outras leis oriundas, dos nossos legisladores, executores, operadores do Direito e imaginário popular, construiu-se um modelo antieconômico e eticamente perverso. O que se vê agora é apenas o esgotamento desse modelo. Ele é baseado na narrativa do Estado provedor, do bem-estar social, intervencionista, garantidor de falsos direitos e solucionador supremo de conflitos. É possível afirmar que esse modelo é universal. Nações de diversos tipos adotam as mesmas premissas em menor ou maior grau. A diferença entre as mais diversas nações – entre as que obtém um relativo grau de sucesso e as que não – tende ao básico de organização econômica, ambiente favorável aos negócios, respeito aos contratos, pouca burocracia, fiscalização e transparência dos agentes públicos. Afinal, a garantia de direitos depende proporcionalmente da capacidade de se gerar riquezas, de uma nação ser efetivamente produtiva, competitiva e da forma como ela aloca e controla esses recursos. Mesmo assim existirão muitos problemas. Parece algo simples e elementar, mas esse entendimento não é o denominador comum da narrativa que permeia nossa sociedade. Estamos num nível abaixo, desdenhamos e não temos qualquer apreço por conceitos econômicos básicos e de regras isonômicas, tratamos iguais de forma desigual, acreditamos na mudança por palavras mortas escritas ou palavras de ordem, e, sobretudo, em personagens salvadores oniscientes e onipotentes. Podemos definir esse comportamento como a infância do pensamento político.
Todos os partidos caminham mais ou menos nessa linha demagógica. Porém, o principal representante desse estilo a conquistar o poder, tendo sua última campanha presidencial desavergonhadamente mentirosa como nunca na história desse país, foi o Partido dos Trabalhadores. Já são treze anos no poder federal acumulando erros, os quais segundo eles são dos outros, enquanto as glórias são deles. O principal inimigo por muito tempo foram as gestões passadas, desde a troca de pau-brasil por espelhos até a estabilização da moeda. Nessa narrativa existem dois países: o antes do PT e o depois do PT. Antes do PT era apenas o caos e a escuridão e depois do PT fez-se a luz. O governo petista pode ser dividido em dois períodos: o de 2003 até a crise internacional de 2008 e o de 2009 até hoje.
No primeiro período, o governo Lula flertou com a ortodoxia econômica conduzida pelo banqueiro Henrique Meirelles e diversos quadros técnicos que nada tinham relacionados aos ideais do PT. Mantiveram o tripé macroeconômico criado em 1999 pelo governo FHC do PSDB, que consistia em metas de inflação, superávit primário (responsabilidade fiscal) e câmbio flutuante. O alicerce mantido foi suficiente para gerar confiança e previsibilidade ao mercado que esperava uma guinada completa à esquerda através de planos heterodoxos mirabolantes. Depois do plantio da estabilização da moeda e algum saneamento das contas públicas, começaria a colheita. O crédito, até então praticamente inexistente, começou a fluir; consequentemente, investimentos e consumo interno aumentaram substancialmente.
Concomitantemente, os juros caíam e a produtividade não melhorava qualitativamente, apenas absorvia a alta taxa de desocupação. Conforme o desemprego diminuía começou a escalada dos salários e o aumento da renda real, mas estranhamente a inflação se mantinha dentro da meta. A sorte do governo Lula estava em sua maior parte no câmbio; o dólar se desvalorizava fortemente em relação às demais moedas globais, mantendo o real apreciado e controlando os preços. Commodities triplicaram de valor e as reservas internacionais quintuplicaram. A arrecadação de impostos aumentou e se tornou possível a ampliação dos programas assistenciais. Os ventos eram todos favoráveis. A popularidade do governo e o ufanismo nunca estiveram tão altos. Estava-se diante do momento político perfeito para executar as reformas estruturais – trabalhista, tributária e previdenciária – no país e atacar os problemas mais graves, a baixa produtividade e competitividade, de forma que a sociedade absorvesse as mudanças sem solavancos. Mas houve apenas uma reforma tímida na previdência logo no início do governo e mais nada. A janela de oportunidade para as reformas iria passar com a crise internacional de 2008, exatamente no ano em que o país recebia o grau de investimento.
Com a crise internacional o governo acionou uma política econômica anticíclica através dos bancos estatais, principalmente o BNDES. O gasto do BNDES chegou a passar de 4% do PIB entre 2008 e 2010. A fórmula era continuar estimulando o consumo interno por endividamento e direcionando crédito subsidiado para grandes empresas. O crédito subsidiado oferecia juros muito abaixo dos juros dos títulos da dívida pública emitidos pelo Tesouro para financiar o governo e, consequentemente, o BNDES. Os maiores contratos chegavam a prazos de 30 anos. Teve-se a formação de um gatilho para a inflação e o endividamento público. As próximas gerações ficarão com esse fardo. No curto prazo, a política parecia funcionar e nosso timoneiro dizia que tudo não passava de uma marolinha. Como na economia entre a causa e o efeito costuma-se levar certo tempo, o clima de euforia persistiria. Lula conseguiu emplacar sua sucessora, a gerente Dilma Rousseff. Ela já havia antecipado seu lema: “gasto corrente é vida”. Um alerta que ninguém levou a sério. Pelo contrário, os aplausos continuavam.
A combinação dos anos passados de crescimento amparados em expectativas frágeis junto à atual política anticíclica superficialmente correta fez embalar de vez o discurso do Estado interventor e impulsionador do desenvolvimento. Chegava o momento de agigantar ainda mais o Estado. Nesse cenário, a Nova Matriz Econômica seria gestada. Era o “Bebê de Rosemary”. Adeus tripé econômico. Agora sim estávamos diante de um plano heterodoxo mirabolante e a previsibilidade econômica estaria perdida de vez. O BC passou a ser capturado pelo governo e os juros foram reduzidos sem qualquer fundamento. Teve-se o expansionismo fiscal, aumento de tarifas de importação, protecionismo e uma nova era de moeda desvalorizada. O voluntarismo chegou a tomar contornos absurdos quando o governo interveio nos contratos do setor elétrico com o intuito de baixar as tarifas. Todo o setor passou a enfrentar um enorme endividamento. Investimentos urgentes e necessários foram abortados. O governo começou a represar a inflação através de controle dos preços administrados. Desonerações e favores para setores privilegiados eram distribuídos. Através de artifícios contábeis cada vez maiores se camuflava a piora das contas públicas; eram as pedaladas fiscais. As receitas estatais diminuíam e as despesas não paravam de crescer. Tudo viria a estourar após a eleição de 2014; a propaganda não fazia mais sentido, iniciava-se o crepúsculo petista. Ao fim de 2015, a inflação alcançava dois dígitos. O Brasil voltou a ficar mais pobre, mais velho, sem as reformas necessárias e agora mais endividado.
Todo esse enredo poderia se resumir somente à péssima ideologia e más escolhas; o que já seria suficiente para o afastamento dada a fraude fiscal. Porém, o que se assiste hoje através de diversas investigações do Ministério Público Federal e Polícia Federal, sendo a principal delas a Operação Lava-Jato, vai muito além disso. Em diversos momentos da gestão petista, estabeleceu-se uma rede de corrupção que alimentava o caixa do partido e de seus aliados com propósito exclusivo de manutenção no poder. Através de fraudes em licitações e contratos, principalmente na Petrobrás, bilhões de reais foram desviados. Diversos personagens enriqueceram ilicitamente, alguns já estão inclusive presos. A corrupção política que costumava atuar no varejo fora descoberta também no atacado. Não bastasse a ruína econômica e o roubo, a sociedade escuta atônita as instituições sendo vilipendiadas através de escutas durante as investigações. O governo do PT parte abertamente para o escárnio. Foi o estopim para as maiores manifestações de rua já realizadas na história do país.
Este impeachment não representa somente a figura da presidente ou de um partido, simboliza a falência do nosso modelo de Estado Democrático de Direito. Pode-se questionar que ao menos o Poder Judiciário está funcionando. Mas não é verdade, o Poder Judiciário não passa de uma enorme caixa-preta com seus operadores levando vidas nababescas. É pior, porque se estabeleceu em todos esses anos uma casca de legalidade à conduta de seus pares através de fundamentos eticamente reprováveis. A sociedade está completamente alheia a isso. Não será a troca de governo que solucionará os problemas, talvez nem os amenize. Agonizaremos enquanto não tivermos uma sociedade civil sólida, com outra mentalidade independente do Estado e burocratas. Se continuarmos a entregar praticamente metade dos nossos esforços em impostos continuaremos pobres, endividados e recebendo serviços piores.







extraídadespotiniks



 

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