O país
está parado; na verdade, recuando. Vamos para dois fortes tombos
consecutivos no PIB, algo que não acontecia desde 1930, e as
consequências já são devastadoras para boa parte da população. O
endividamento público e das famílias está fora de controle. O governo já
espera um déficit público colossal de cem bilhões de reais no fim do
ano e se essa é uma expectativa sua – logo, certamente será maior. Tudo
leva a crer em mais um impeachment presidencial. Provavelmente
até o fim do primeiro semestre novas raposas executivas tomarão conta da
granja no Planalto. Na verdade, são velhas raposas. Perceba, tudo isso
tem pouco a ver com personagens e mais com bons e maus incentivos,
apesar de personagens poderem potencializar problemas. De qualquer
maneira, um impeachment dificilmente surge num cenário com bons
indicadores. O impeachment é um processo majoritariamente político. Já
os bons indicadores dependem de boa ciência econômica.
Neste mês
de abril, quase certamente, o processo de impeachment será votado na
Câmara. Réus e futuros réus se recolherão para suas bases eleitorais e
serão bons ouvintes dissimulados de seus representados. Todos os e-mails
não lidos já estarão na lixeira. Trocarão alguns telefonemas com seus
líderes partidários e financiadores. Líderes gentilmente recomendarão o
sim ou o não baseados num novo esboço do organograma de verbas, cargos,
propinas e punições. Financiadores querem celeridade na manutenção e
ampliação de seus privilégios e mecanismos que favoreçam sua perpetuação
no mercado. Por fim, munidos dessas informações, os excelentíssimos
representantes do povo participarão da festa VIP da democracia. A
novidade dessa vez ficará a cargo dos senadores. Em caso de aprovação do
afastamento na Câmara, a maioria simples do Senado pode passar por cima
dos dois terços da Câmara e barrar a festa. O Supremo Tribunal Federal
através da hermenêutica e técnicas forenses somente disponíveis em 2015,
encontrou um borrão que fazia menção a tal possibilidade entre as
diversas camadas ocultas de papel da Constituição e leis relacionadas. Estado Democrático de Direito é coisa séria.
As causas do problema atual estão nas linhas e entrelinhas acima. O que tem falhado é justamente a nossa ideia de Estado Democrático de Direito.
A partir da nossa Constituição atual, promulgada em 1988, das demais
outras leis oriundas, dos nossos legisladores, executores, operadores do
Direito e imaginário popular, construiu-se um modelo antieconômico e
eticamente perverso. O que se vê agora é apenas o esgotamento desse
modelo. Ele é baseado na narrativa do Estado provedor, do bem-estar
social, intervencionista, garantidor de falsos direitos e solucionador
supremo de conflitos. É possível afirmar que esse modelo é universal.
Nações de diversos tipos adotam as mesmas premissas em menor ou maior
grau. A diferença entre as mais diversas nações – entre as que obtém um
relativo grau de sucesso e as que não – tende ao básico de organização
econômica, ambiente favorável aos negócios, respeito aos contratos,
pouca burocracia, fiscalização e transparência dos agentes públicos.
Afinal, a garantia de direitos depende proporcionalmente da capacidade
de se gerar riquezas, de uma nação ser efetivamente produtiva,
competitiva e da forma como ela aloca e controla esses recursos. Mesmo
assim existirão muitos problemas. Parece algo simples e elementar, mas
esse entendimento não é o denominador comum da narrativa que permeia
nossa sociedade. Estamos num nível abaixo, desdenhamos e não temos
qualquer apreço por conceitos econômicos básicos e de regras isonômicas,
tratamos iguais de forma desigual, acreditamos na mudança por palavras
mortas escritas ou palavras de ordem, e, sobretudo, em personagens
salvadores oniscientes e onipotentes. Podemos definir esse comportamento
como a infância do pensamento político.
Todos os
partidos caminham mais ou menos nessa linha demagógica. Porém, o
principal representante desse estilo a conquistar o poder, tendo sua
última campanha presidencial desavergonhadamente mentirosa como nunca na
história desse país, foi o Partido dos Trabalhadores. Já são treze anos
no poder federal acumulando erros, os quais segundo eles são dos
outros, enquanto as glórias são deles. O principal inimigo por muito
tempo foram as gestões passadas, desde a troca de pau-brasil por
espelhos até a estabilização da moeda. Nessa narrativa existem dois
países: o antes do PT e o depois do PT. Antes do PT era apenas o caos e a
escuridão e depois do PT fez-se a luz. O governo petista pode ser
dividido em dois períodos: o de 2003 até a crise internacional de 2008 e
o de 2009 até hoje.
No
primeiro período, o governo Lula flertou com a ortodoxia econômica
conduzida pelo banqueiro Henrique Meirelles e diversos quadros técnicos
que nada tinham relacionados aos ideais do PT. Mantiveram o tripé
macroeconômico criado em 1999 pelo governo FHC do PSDB, que consistia em
metas de inflação, superávit primário (responsabilidade fiscal) e
câmbio flutuante. O alicerce mantido foi suficiente para gerar confiança
e previsibilidade ao mercado que esperava uma guinada completa à
esquerda através de planos heterodoxos mirabolantes. Depois do plantio
da estabilização da moeda e algum saneamento das contas públicas,
começaria a colheita. O crédito, até então praticamente inexistente,
começou a fluir; consequentemente, investimentos e consumo interno
aumentaram substancialmente.
Concomitantemente,
os juros caíam e a produtividade não melhorava qualitativamente, apenas
absorvia a alta taxa de desocupação. Conforme o desemprego diminuía
começou a escalada dos salários e o aumento da renda real, mas
estranhamente a inflação se mantinha dentro da meta. A sorte do governo
Lula estava em sua maior parte no câmbio; o dólar se desvalorizava
fortemente em relação às demais moedas globais, mantendo o real
apreciado e controlando os preços. Commodities triplicaram de
valor e as reservas internacionais quintuplicaram. A arrecadação de
impostos aumentou e se tornou possível a ampliação dos programas
assistenciais. Os ventos eram todos favoráveis. A popularidade do
governo e o ufanismo nunca estiveram tão altos. Estava-se diante do
momento político perfeito para executar as reformas estruturais –
trabalhista, tributária e previdenciária – no país e atacar os problemas
mais graves, a baixa produtividade e competitividade, de forma que a
sociedade absorvesse as mudanças sem solavancos. Mas houve apenas uma
reforma tímida na previdência logo no início do governo e mais nada. A
janela de oportunidade para as reformas iria passar com a crise
internacional de 2008, exatamente no ano em que o país recebia o grau de
investimento.
Com a
crise internacional o governo acionou uma política econômica anticíclica
através dos bancos estatais, principalmente o BNDES. O gasto do BNDES
chegou a passar de 4% do PIB entre 2008 e 2010. A fórmula era continuar
estimulando o consumo interno por endividamento e direcionando crédito
subsidiado para grandes empresas. O crédito subsidiado oferecia juros
muito abaixo dos juros dos títulos da dívida pública emitidos pelo
Tesouro para financiar o governo e, consequentemente, o BNDES. Os
maiores contratos chegavam a prazos de 30 anos. Teve-se a formação de um
gatilho para a inflação e o endividamento público. As próximas gerações
ficarão com esse fardo. No curto prazo, a política parecia funcionar e
nosso timoneiro dizia que tudo não passava de uma marolinha. Como na
economia entre a causa e o efeito costuma-se levar certo tempo, o clima
de euforia persistiria. Lula conseguiu emplacar sua sucessora, a gerente
Dilma Rousseff. Ela já havia antecipado seu lema: “gasto corrente é
vida”. Um alerta que ninguém levou a sério. Pelo contrário, os aplausos
continuavam.
A
combinação dos anos passados de crescimento amparados em expectativas
frágeis junto à atual política anticíclica superficialmente correta fez
embalar de vez o discurso do Estado interventor e impulsionador do
desenvolvimento. Chegava o momento de agigantar ainda mais o Estado.
Nesse cenário, a Nova Matriz Econômica seria gestada. Era o “Bebê de
Rosemary”. Adeus tripé econômico. Agora sim estávamos diante de um plano
heterodoxo mirabolante e a previsibilidade econômica estaria perdida de
vez. O BC passou a ser capturado pelo governo e os juros foram
reduzidos sem qualquer fundamento. Teve-se o expansionismo fiscal,
aumento de tarifas de importação, protecionismo e uma nova era de moeda
desvalorizada. O voluntarismo chegou a tomar contornos absurdos quando o
governo interveio nos contratos do setor elétrico com o intuito de
baixar as tarifas. Todo o setor passou a enfrentar um enorme
endividamento. Investimentos urgentes e necessários foram abortados. O
governo começou a represar a inflação através de controle dos preços
administrados. Desonerações e favores para setores privilegiados eram
distribuídos. Através de artifícios contábeis cada vez maiores se
camuflava a piora das contas públicas; eram as pedaladas fiscais. As
receitas estatais diminuíam e as despesas não paravam de crescer. Tudo
viria a estourar após a eleição de 2014; a propaganda não fazia mais
sentido, iniciava-se o crepúsculo petista. Ao fim de 2015, a inflação
alcançava dois dígitos. O Brasil voltou a ficar mais pobre, mais velho,
sem as reformas necessárias e agora mais endividado.
Todo esse
enredo poderia se resumir somente à péssima ideologia e más escolhas; o
que já seria suficiente para o afastamento dada a fraude fiscal. Porém, o
que se assiste hoje através de diversas investigações do Ministério
Público Federal e Polícia Federal, sendo a principal delas a Operação
Lava-Jato, vai muito além disso. Em diversos momentos da gestão petista,
estabeleceu-se uma rede de corrupção que alimentava o caixa do partido e
de seus aliados com propósito exclusivo de manutenção no poder. Através
de fraudes em licitações e contratos, principalmente na Petrobrás,
bilhões de reais foram desviados. Diversos personagens enriqueceram
ilicitamente, alguns já estão inclusive presos. A corrupção política que
costumava atuar no varejo fora descoberta também no atacado. Não
bastasse a ruína econômica e o roubo, a sociedade escuta atônita as
instituições sendo vilipendiadas através de escutas durante as
investigações. O governo do PT parte abertamente para o escárnio. Foi o
estopim para as maiores manifestações de rua já realizadas na história
do país.
Este impeachment não representa somente a figura da presidente ou de um partido, simboliza a falência do nosso modelo de Estado Democrático de Direito.
Pode-se questionar que ao menos o Poder Judiciário está funcionando.
Mas não é verdade, o Poder Judiciário não passa de uma enorme
caixa-preta com seus operadores levando vidas nababescas. É pior, porque
se estabeleceu em todos esses anos uma casca de legalidade à conduta de
seus pares através de fundamentos eticamente reprováveis. A sociedade
está completamente alheia a isso. Não será a troca de governo que
solucionará os problemas, talvez nem os amenize. Agonizaremos enquanto
não tivermos uma sociedade civil sólida, com outra mentalidade
independente do Estado e burocratas. Se continuarmos a entregar
praticamente metade dos nossos esforços em impostos continuaremos
pobres, endividados e recebendo serviços piores.
extraídadespotiniks
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