Carlos Newton
É impressionante o ataque massivo desfechado pelo governo contra o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos e inquéritos da Operação Lava Jato na primeira instância. O ponto de lança desta blitz é Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal, que tem dado seguidas entrevistas para denunciar o juiz Moro e culpá-lo pelo que considera ser um perigoso movimento de desvirtuamento da ordem jurídica no país.
Entre outras acusações, Marco Aurélio critica a “flexibilização do princípio da não culpabilidade”, como se Moro estivesse transformando pessoas inocentes em réus. Distraído, o ministro condena também a “liberação para a Receita Federal do acesso direto aos dados bancários de qualquer cidadão brasileiro”, sem lembrar que isso nem existe mais, derrubado que foi por uma portaria ministerial do próprio governo Dilma Rousseff, que desde dezembro permitiu à Receita quebrar o sigilo de todas as contas bancárias com saldo superior a míseros R$ 2 mil.
Mas o ministro do Supremo vai em frente e ataca o juiz Moro de todas as formas, criticando até mesmo as prisões dos maiores corruptos já identificados no país. “Nunca vi tanta prisão preventiva como nós temos no Brasil em geral. A população carcerária provisória chegou praticamente ao mesmo patamar da definitiva, em que pese à existência do princípio da não culpabilidade. Tem alguma coisa errada. Não é por aí que nós avançaremos e chegaremos ao Brasil sonhado”, disse ele ao Sul21, um dos sites que mais defendem o governo federal.
DELCÍDIO E OS GRAMPOS
O ministro também critica o vazamento da delação do senador Delcídio Amaral, como se houvesse provas de que tivesse sido feito pelo juiz Sérgio Moro, quando se sabe que esta quebra de sigilo pode ter diversas origens. Aliás, na Lava Jato já houve casos de vazamentos feitos pelos próprios advogados das pessoas envolvidas, conforme ficou comprovado.
O mais forte ataque de Marco Aurélio Mello, porém, refere-se à divulgação do diálogo Lula/Dilma. Confiram sua declaração, citando diretamente Sérgio Moro:
“Ele não é o único juiz do país e deve atuar como todo juiz. Agora, houve essa divulgação por terceiros de sigilo telefônico. Isso é crime, está na lei. Ele simplesmente deixou de lado a lei. Isso está escancarado e foi objeto, inclusive, de reportagem no exterior. Não se avança culturalmente atropelando a ordem jurídica, principalmente a constitucional. O avanço pressupõe a observância irrestrita do que está escrito na lei de regência da matéria. Dizer que interessa ao público em geral conhecer o teor de gravações sigilosas não se sustenta. O público também está submetido à legislação”.
MORO ESTÁ DENTRO DA LEI
Marco Aurélio Mello não está sozinho nesta campanha para desmoralizar o juiz Moro e inviabilizar a Lava Jato. Grandes jornais e revistas abrem espaços para artigos de juristas de toda espécie que acusam o magistrado paranaense de descumprir as leis, especialmente no tocante ao sigilo telefônico. Sem exceção, todos citam unicamente a Lei 9.296, cujo artigo 8º diz o seguinte:
“A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas”.
À primeira vista, até parece que o sigilo é eterno. Mas acontece que os inquéritos policiais são públicos. Ao ser apensada aos autos a transcrição dos grampos, isso significa que o sigilo não mais existe, pois este tipo de inquérito é público e não corre em segredo de Justiça. Qualquer advogado pode tirar cópia, basta ter a carteira da OAB, segundo a Lei 8.906.
CARLOS VELLOSO EXPLICA
Vários juristas imediatamente deram apoio a Moro. Entre eles, o ex-presidente do Supremo Carlos Velloso, que disse o seguinte, em entrevista ao Estadão:
“A Constituição consagra o princípio da publicidade dos atos processuais, ao estabelecer, no art. 5º, LX, que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.” Ora, as gravações estão nos autos, constituem atos processuais e o processo é público. O telefone que estava grampeado era o do investigado. A presidente telefonou para o investigado e veio para os autos o diálogo maldito, que deve ser avaliado pelo Ministério Público. E este, se entender que houve a prática de crime por parte da presidente da República e de novo crime por parte do investigado, pedirá a remessa das peças ao Supremo. O juiz Moro está conduzindo as ações penais com severidade, o que é bom, mas com critério e com respeito ao devido processo legal”.
E JORGE BÉJA CONCLUI
Por fim, o jurista Jorge Béja, em artigo aqui na Tribuna da Internet, jogou uma pá de cal na questão, ao lembrar que o juiz Moro e os procuradores federais sabem que “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade” (Código de Processo Penal, artigo 20).
“O juiz Moro também sabe que a Lei 9296/96, que cuida da interceptação judicial de comunicações telefônicas ocorre em segredo de justiça (artigo 1º) até quando a elucidação do fato exige. O magistrado sabe muito mais ainda que, após à elucidação do fato, o segredo de justiça é para ser levantado (terminado, encerrado) e a população de governados pode e, acima de tudo, deve saber o que as autoridades conseguiram obter”, acrescentou Béja, lembrando também que, no recente acórdão em que permitiu as biografias não autorizadas, o Supremo simplesmente derrubou os sigilos que protegiam a privacidade das pessoas. E ninguém percebeu. Portanto…
EXTRAÍDADETRIBUNADAINTERNET
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