RAYMUNDO COSTA VALOR ECONÔMICO
Dias antes, um dos coordenadores da tropa de choque montada por Collor para enfrentar o impeachment havia decretado, durante uma reunião: "Ausência vale tanto quanto o voto". A mesma sentença, agora, enche de esperanças a presidente Dilma Rousseff e seu cada dia mais reduzido círculo de aliados. Dilma não precisa necessariamente cravar 172 votos no painel da Câmara dos Deputados para impedir o impeachment. Seus adversários é que precisam cravar 342 votos.
Por isso a ausência vale tanto quanto o voto para quem se opõe ao impeachment. Grosso modo, se apenas os 58 deputados do PT e os 13 do PCdoB votarem em Dilma, mas a oposição não conseguir os 342 votos, o impeachment será recusado. Parece a solução dos problemas para um governo que precisaria juntar 172 deputados com coragem para ir ao microfone e dizer "não" ao impeachment, em pleno ano eleitoral, quando Dilma e o PT estão em baixa. Na prática, trocar voto por ausência indica governo em fase terminal.
O governo Collor alugou aviões para retirar deputados aliados de Brasília, porque eles não queriam assumir publicamente o voto contrário ao impeachment. Naquele 29 de setembro de 1992, cerca de 500 mil pessoas foram às ruas em 17 cidades brasileiras - este ano, só a Avenida Paulista reuniu este número de manifestantes, segundo o cálculo do Datafolha, em geral bem abaixo daqueles anunciados pela organização dos protestos e pela Polícia Militar.
Se serve de exemplo para a tropa de choque da presidente Dilma, a experiência do impeachment de Collor comprova que de fato ausência vale tanto quanto voto, mas também mostra que quem falta é justamente quem poderia dizer "não" ao afastamento da presidente. Não será surpresa, portanto, para os coordenadores do impeachment, se o maior número de ausentes for justamente daqueles partidos mais próximos da presidente da República. Alguns do PT e do PCdoB, principalmente se forem reeditadas as manifestações do domingo 13 de março. Dos 28 votos do PRN, o partido do presidente Collor, 18 votaram a favor do impeachment.
A autorização da Câmara para o Senado processar o presidente Collor foi aprovada com os votos de 441 deputados (eram necessários apenas 336, pois à época a Casa tinha 503 integrantes, contra os 513 atuais). Houve apenas uma abstenção e 38 deputados preferiram enfrentar a opinião pública favorável ao impeachment e votar "não". Ou seja, 15 a mais que os 23 que se ausentaram por qualquer motivo, seja pressão do governo ou outro motivo qualquer, como doença. O deputado Roberto Campos (1917-2001) foi votar "sim" em cadeira de rodas.
Um outro tipo de ausente pode ser registrado também no impeachment de Collor: aquele que aparece para votar só na segunda chamada, geralmente quando o placar já está definido. Em 1992, um desses exemplares foi o atual presidente do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz. Era deputado de primeiro mandato, eleito pelo PRN (partido de Collor) graças a sua proximidade com o homem-forte da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, que até o fim brigou contra o impeachment do presidente.
Para não desagradar o cacique, que costumava ser implacável com os aliados infiéis, Cedraz não respondeu à primeira chamada. A votação era nominal. Na repescagem, quando Collor já estava no corredor da morte do impeachment que separa o salão verde (Câmara) do salão azul (Senado), Cedraz correu ao microfone, quando seu nome foi chamado, e gritou pausadamente, a pleno pulmões - "Sim, pelo povo de Valente".
Em retrospectiva, Dilma repete muitos dos erros que foram cometidos pelo ex-presidente Collor e sua tropa de choque. Outro deles é abrir o cofre, na expectativa de ter alguma correspondência no fisiologismo. Na semana passada, o governo alocou mais R$ 9 bilhões para gastar em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na tentativa de fisgar votos nas bancadas. No governo Collor, o Ministério da Ação Social, nos três meses que antecederam a votação do impeachment, liberou US$ 60 milhões - nos cinco meses anteriores, mal havia autorizado US$ 1,07 milhão. Não deu certo.
Há outros paralelos entre a história do impeachment de Collor e o processo em curso contra a presidente Dilma Rousseff. Coordenador político e um dos principais chefe da tropa de choque do presidente, o deputado pernambucano Ricardo Fiuza (1939-2005) sugeriu ao presidente renunciar ao mandato. Arrogante, Collor respondeu que iria ficar (enquanto era julgado no Supremo) e "apostar nas besteiras do Itamar [Franco]", o vice que assumiu em seu lugar. Dilma já ouviu a proposta de renúncia de mais de uma pessoa.
Fiuza comandava sobretudo a tropa de choque congressual. Antes da votação, ele chegou a reunir 300 deputados na casa do amazonense Ezio Ferreira. O presidente do Banco do Brasil, Lafaiete Coutinho, cuidava do resto. De todo o resto. Fora ele o responsável pelo aluguel do jatinho que naquela tarde de setembro decolou rumo a Curitiba levando dois deputados com base na tese de que ausência vale tanto quanto o voto. O avião já estava no ar quando a votação nominal foi aberta no plenário da Câmara, exatamente às 17h45.
Mas no Congresso nem tudo é o que parece. O jatinho já estabilizara quando o deputado Onaireves (Severiano, ao contrário) pediu para o piloto dar meia volta. Havia esquecido a mala no aeroporto. O piloto obedeceu. No hangar, Onaireves telefonou para o deputado Benito Gama, hoje no PTB, que presidira a CPI do PC Farias, cuja investigação resultou no processo contra Collor. Informado do que acontecia, Onaireves correu para a Câmara onde chegou ainda a tempo de votar pelo impeachment do presidente. Desolado, Lafaiete se deu conta de seu erro: não avisara o piloto que aquela viagem só deveria acabar em Curitiba.
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