Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 29 de março de 2016

Cerimônia do adeus -

JOSÉ CASADO O GLOBO

Prevê-se para hoje, em Brasília, uma cena inédita no enredo político brasileiro dos últimos 30 anos: a cerimônia do adeus do PMDB a um governo.

Se confirmada, será uma despedida na cadência do processo de impeachment de Dilma Rousseff e na perspectiva de uma dura disputa na eleição municipal de outubro.

Assentado numa singular estrutura de núcleos de poder regionais, o PMDB depende mais que outros partidos do desempenho eleitoral do conjunto de seus 3,4 mil diretórios municipais. Em 2012, por exemplo, elegeu 996 prefeitos e indicou o vice em outras 840 chapas vitoriosas. Essa azeitada máquina eleitoral permitiu-lhe emergir das urnas em 2014 com uma bancada de 142 deputados estaduais, 67 federais (13% da Câmara) e 17 senadores (24% do plenário).

Com veias abertas em dois terços das zonas eleitorais do país, e tendo optado por não ter candidato presidencial nas últimas três décadas, transformou-se no sócio desejado por todos os governantes do período pós-ditadura. Empenhou-se numa sociedade com o PT de Lula. Ampliou-a com Dilma que abraçou Michel Temer na vice-presidência, complementando com a partilha dos orçamentos de 22% dos ministérios entre diferentes grupos do partido.

A ruptura ocorre em condições agravadas por uma sequência de ofensivas desastrosas do PT, combinadas entre Dilma e Lula, para neutralizar uma parceria que sempre foi percebida como indesejável pelos efeitos no controle do caixa federal. Foi Lula quem deu essa dimensão à fatura, ainda em 2002.

Logo depois de sair das urnas com 61,5% dos votos, no início de novembro, viu seu “capitão” José Dirceu anunciar acordo com o PMDB para o ministério. Desmentiu-o em público, horas depois. Qualificou como “exageradas” as exigências dos aliados de José Sarney, Michel Temer e Renan Calheiros. Optou por 13 ministros do PT, entregou 7 ministérios a outros partidos e deixou o PMDB à margem, sem nenhum, limitando-se a acertar um rodízio no comando da Câmara e do Senado.

Refez o entendimento na crise do mensalão e selou o pacto na sucessão. Desde a campanha de 2010, porém, é evidente que Dilma e Temer convivem, se toleram e, eventualmente, compartilham tapetes e ar refrigerado. Nunca foram amigos, mas no governo se tornaram inimigos íntimos.

A cacofonia no Palácio do Planalto virou discórdia com os sistemáticos vetos da presidente às propostas emuladas pelo vice que, ao seus olhos, redundariam em benefícios pecuniários a uma fração do PMDB, na contramão dos interesses do PT.

Foi o caso das negociações palacianas a respeito da conversão dos créditos “podres” contabilizados no caixa de instituições financeiras sob intervenção do Banco Central. As narrativas derivam no seguinte: a presidente vetou um negócio com potencial de impacto bilionário para os cofres públicos, supostamente defendido pelo vice, no qual os principais beneficiários seriam os banqueiros habituais patrocinadores do deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara.

Renegado, Temer viu-se no espelho como um “vice decorativo”. A desconstrução da sociedade PMDB-PT ocorre num ambiente marcado pelos efeitos da recessão econômica e pelo abrupto aumento na rejeição a Dilma e Lula: dois em cada três eleitores classificam o governo entre “ruim”e “péssimo”, segundo Ibope e Datafolha. E 60% avisam que não votariam em Lula “de jeito nenhum” para presidente da República.

Isso tem peso específico às vésperas de uma disputa municipal que se antevê complicada. O Ibope, em outra pesquisa, revela que 40% dos eleitores, na média, consideram “ruim” ou “péssima” a administração do prefeito de sua cidade, declarando disposição para votar num candidato de oposição. E mais: a maioria (54%) sinaliza vontade de premiar com o voto candidatos sem biografia partidária. Nesse quadro, Dilma, Lula e o PT passaram a ser vistos como excesso de peso.

O desembarque do governo também atende às conveniências dos líderes desse um partido que há duas décadas não tem candidato presidencial e continua sem nome para 2018. Abraçados à oposição, eles vislumbram a chance de chegar ao centro do poder numa travessia sem o voto direto — o impeachment de Dilma levaria Temer ao Planalto. Significa mudar para continuar como está.

Se vai dar certo, não sabem, pois sua sorte, assim como a de Dilma, depende do imponderável em outra arena, a do Judiciário.

Uma sentença da Justiça Eleitoral pode redundar na cassação de Dilma e Temer, por abuso de poder econômico na eleição de 2014. Levaria a novas eleições.

Há, também, a série de inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras estatais. Entre 12 parlamentares do PMDB denunciados no Supremo, seis integram a direção nacional que hoje vai presidir a cerimônia do adeus ao PT de Lula e Dilma.

Além desses, estão sob investigação os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, do Senado, Renan Calheiros, e ainda o senador Edison Lobão — a quem Lula e Dilma entregaram o comando do Ministério das Minas e Energia durante sete anos.

Lobão tomou conta de um polêmico portfólio de despesas da Eletrobrás, que inclui gastos suspeitos na usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Nos próximos dias, o STF começa a retirar o manto de sigilo sobre esse caso, que ameaça tragar boa parte da cúpula do PMDB.








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