por Mary Zaidan Com Blog do Noblat - O Globo
Frequente em discursos de muitos, até daqueles que por ela não nutrem
qualquer apreço, a democracia vem sendo vítima do governo brasileiro, um
serial killer obstinado que finge o inverso, mas tudo faz para
aniquilá-la.
Cotidianamente, a doutrina que rege mais da metade das nações do mundo
tem sido espancada por aqueles que teriam a obrigação maior de
praticá-la e protegê-la, mas que só se importam em preservar a própria
pele.
Democracia é um conceito complexo. Exige muito de todos. Até os países
que exibem maturidade e solidez derrapam. Levantamento da revista The Economist, Democracy Index 2015,
aponta que apenas 20 dos 96 países enquadrados como democracias exercem
o regime em sua plenitude. O Brasil aparece entre as “democracias
imperfeitas”, em 51ª posição, com notas que vêm decrescendo a cada ano.
Em 2006, quando a série iniciou, o país alcançou 7.38 pontos. Agora,
6.96, com perdas significativas na participação popular e no
funcionamento do governo.
Uma imperfeição que a presidente Dilma Rousseff, o ex Lula e o PT têm feito questão de acentuar.
“Em defesa da democracia”, Dilma usa o Palácio do Planalto para bradar
“não vai ter golpe” e outras palavras de ordem contra o seu impeachment.
De uma só vez cede a sede do governo ao seu partido e golpeia de morte a
instituição Presidência da República, que dela quer se afastar e não
sentirá saudade alguma quando ela se for.
“Em defesa da democracia”, movimentos autoproclamados populares ameaçam
incendiar o país caso a presidente seja legalmente afastada.
“Em defesa da democracia”, Dilma e o PT atropelam tudo e todos para
fazer o ex Lula ministro e, assim, poupá-lo de eventual prisão
iminente.
“Em defesa da democracia”, Lula solicita regalias a ministros para se
safar da “perseguição” da Lava-Jato e denuncia que parte da oposição
prepara um golpe, como se impeachment, com regras definidas pela Suprema
Corte, fosse inconstitucional. E repete que ele, sempre ele, vai tirar
Dilma dessa.
Tudo feito “em defesa da democracia”.
No palanque montado em um encontro de sindicalistas, na quarta-feira,
23, Lula expôs por completo a sua visão autocrática, mítica e mística.
Um papel que em nada combina com a democracia. Depois de explicar que a
elite conservadora tem dificuldade para aceitar que o povo cresceu em
consciência e maturidade política e que isso foi fundamental para
elegê-lo presidente, disparou a máxima: “Eu sou o resultado da
consciência política dos homens e mulheres deste país”.
Fraca no que diz respeito à governança, a posição mediana do Brasil no
ranking mundial de democracia começou a ser ameaçada em outra frente: a
liberdade de expressão, que desde a primeira pesquisa conferiu as
maiores notas ao país. Mas a insistência dos autointitulados defensores
da democracia em acusar a mídia pelos dissabores de Dilma, Lula e seus
asseclas, pode pôr isso a perder.
Useiros e vezeiros em inverter os sinais, os valores e o sentido das
palavras, Dilma, Lula e os seus não enxergam outra saída a não ser a de
tudo misturar. Todos são culpados pelos erros que eles e só eles
cometeram e continuam a cometer. Polícia, Justiça e a maioria dos
brasileiros, instigados pelas elites - exceto a elite de amigos presos
em Curitiba - e pela mídia golpista são os responsáveis por todos os
males, por todas as crises, pelo desemprego, pelo PIB negativo.
Ao insistir na insustentável existência de um complô de direita - um
adjetivo que determina o lado físico e que na geografia política mundial
nada mais diz -- escorraçam o Direito, substantivo que define aquilo
que é justo, reto e em conformidade à lei.
À democracia, preferem o demo (demônio, diabo), verbete que a antecede no dicionário.
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