Não
se viu manifestação popular expressiva durante os oito anos do governo
Lula. As “pessoas de bem”, hoje vestidas de verde e amarelo, amantes dos
símbolos nacionais e preocupadas com o destino do país, não ergueram
suas vozes contra a ditadura petista que se erguia a olhos nus.
A partir do momento em que Maquiavel publica O Príncipe a política torna-se ciência autônoma. Até então, pode-se dizer que esta mesma dimensão da vida humana era compreendida dentro da perspectiva teleológica e metafísica que preponderava no Ocidente, como se observa nos escritos de Aristóteles ou nos pensadores medievais.
É o caso também de Santo Isidoro de Sevilha, que ainda na Antiguidade Tardia
(expressão que empresto do professor Renan Frighetto), foi o grande
responsável por converter a corte visigoda ao cristianismo. Em sua obra
máxima, Etimologias, trata também de política, pois era preciso
não apenas converter os governantes bárbaros, mas também ensiná-los a
governar como membros da Igreja. E foi Isidoro quem formulou – talvez
pela primeira vez na história da Igreja – o conceito de príncipe
cristão: aquele que age em nome de Deus na busca do bem comum.
Isto
deu tão certo e foi tão difundido durante a Idade Média, que é comum
encontrarmos referências a esta mesma noção em obras tardias que
revelam, no conjunto, a preocupação dos políticos católicos em ser esta ação inspirada por Deus
na sociedade. Desde o batismo de Clóvis, no início do século VI, até os
reis taumaturgos do medievo central (ver a obra de Marc Bloch a
respeito), passando por esta problematização consciente e propositiva de
Santo Isidoro, é justo afirmar que a política, antes de Maquiavel, era
encarada como forma de caridade (a isto fez referência o Papa Francisco
recentemente). Obviamente houveram desvios individuais, mas o argumento
geral é válido e historicamente atestado. O livro de Marcelo Cândido da
Silva, A Realeza Cristã na Alta Idade Média, traça um perfil
desta nobreza religiosa (particularmente a francesa), demonstrando a
relação íntima e indissociável entre teologia e política.
Ou
seja: Maquiavel iniciava, com sua obra moderna, a quebra de um
paradigma, percebida na particularização e segmentação da política.
Segundo sua visão, os governantes são dispensados do dever moral e da
observância de valores a priori (discussão que remonta a
Aristóteles, novamente, e que envolve concepções jurídicas opostas). Há
tradicionalmente quem defenda o direito natural e as leis inscritas no coração do homem –
o que significa, a grosso modo, uma crença na origem metafísica do
mundo e um reconhecimento de direitos fundamentais e atemporais, como à
vida e à liberdade. Mas o autor de O Príncipe está na outra
ponta: para ele e toda uma nova e complexa escola surgida a partir de
então, o direito e a moral são frutos da vida social e das escolhas a posteriori. Não
há hierarquia de valores e princípios, diz Maquiavel, nem moral
desejável (senão aquela determinada pela constituição social, conduzida
pelo governante).
Daí
que o sentido de sua conhecida frase (“os fins justificam os meios”)
seja justamente este: o governante deve ser julgado pelos seus
resultados, e não pela motivação ou causa de suas ações.
É
aqui que a realidade política brasileira entra: por quanto tempo nossos
meios de comunicação, nossos “intelectuais”, nossos atores públicos e
classe política foram coniventes com o Partido dos Trabalhadores? Eu
respondo: pelo tempo que duraram os bons resultados econômicos (sejam
eles mérito do PT ou não).
Não
se viu manifestação popular expressiva durante os oito anos do governo
Lula. As “pessoas de bem”, hoje vestidas de verde e amarelo, amantes dos
símbolos nacionais e preocupadas com o destino do país, não ergueram
suas vozes contra a ditadura petista que se erguia a olhos nus, com
aparelhamento das instituições (inclusive do STF), conchavos políticos à
luz do dia (vide Mensalão), homicídios mal explicados (Celso
Daniel), monopólio dos jornais, dos institutos de pesquisa, da produção
cultural etc.
O
que estava fazendo a brava gente brasileira durante esse período de
costura maquiavélica feita pelo (hoje) odiado PT? Respondo de novo:
salvo parcelas minoritárias da população, estava curtindo a boa onda
econômica, aplaudindo os resultados petistas.
Maquiavel
não poderia estar mais contente. Aqui no Brasil sua teoria encontrou
ressonância como em poucos lugares do mundo. Os governantes e os
governados concordam que um roubo ali, um aborto de anencéfalos aqui,
não tem problema. Importa o resultado final, que deve expressar a moral
eleita coletivamente. No nosso caso, money no bolso.
É
preciso dizer que a crise política atual é o aspecto mais superficial
da baixeza moral e espiritual a que nos dispomos viver e
transmitir desde 1500. Lembremos disso ao iniciar a limpeza que dizemos ser necessária.
http://avidahumana.com.br
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