ELIANE CANTANHÊDE ESTADÃO
Há, definitivamente, algo de muito errado quando o, ou a, presidente usa os salões do Planalto para eventos carregados de dramaticidade em que, num dia, negue que vá renunciar; no outro, dê posse ao antecessor para livrá-lo da Justiça; num terceiro, diga, em tom de ameaça, que “não vai ter golpe”. Que presidente é essa? Que governo é esse?
A situação está fora de controle, com Dilma repetindo pela milésima vez que foi vítima da ditadura, o governo perdendo todas no Supremo, Lula correndo atrás de um PMDB inalcançável, a economia derretendo e o impeachment correndo solto na Câmara.
Enquanto isso, o vice Michel Temer nega, mas está obviamente articulando um governo de transição. Do ponto de vista do governo, uma traição. Para a oposição, uma articulação legítima. E, sob o ângulo prático, uma necessidade. E se, por acaso, quem sabe, talvez, o impeachment passe? Nesse caso, Temer vai tentar o que Lula poderia ter tentado um ano atrás, antes que as condições políticas e econômicas se deteriorassem de vez e que a Lava Jato o pegasse de jeito: um grande pacto político. O vice só terá alguma chance se fechar o apoio integral do PMDB, atrair o PSDB, conseguir a maioria dos partidos e – por causa de tudo isso ou, ao contrário, apesar de tudo isso – formar um “ministério surpreendente”, como acenou o tucano José Serra em entrevista ao Estado.
Dilma fala, ninguém ouve mais. Reúne governadores, não repercute. Anuncia medidas, nada acontece. Sem capacidade de reação, tenta a resistência em reuniões fechadas e com discursos amedrontadores e amedrontados. O governo está parado, o país está parado. E Lula, imobilizado. Perdeu o “timing” para tentar salvar o governo.
Aconteça o que acontecer, a prioridade zero do Brasil será mostrar que há governo, recuperação, forças políticas responsáveis e forças econômicas dispostas a investir no fim da crise. Com o impeachment, porém, isso não vai depender só de articulações de cúpula entre PMDB, PSDB, oposição. Vai depender também das massas, do próprio PT e de como o mundo perceber o processo.
Daí porque há, na entrevista de Serra, um detalhe de alta relevância. Ao enumerar as condições para o apoio a um eventual governo Temer, o tucano diz que ele deve ficar fora em 2018, longe das eleições municipais e, além de reunir um ministério com os melhores nomes das prateleiras nacionais, deve também dar garantias de que não haverá “retaliação”. A conclusão é óbvia: foi um recado ao PT. Indica que petistas, pemedebistas, tucanos, aliados e adversários do Planalto conversam sobre o “day after”, de forma que um governo de transição não dispare um caça às bruxas, não saia expurgando petistas, não tripudie quem sair perdendo. Que fique claro: conversas nesse nível só são possíveis se parcela relevante do petismo já está jogando a toalha.
Há, porém, empecilhos para acordo. O ambiente político está contaminado, as massas petistas são belicosas e ninguém mais fala em nome de ninguém (aliás, foi o que Temer disse em nota depois da fala de Serra). Além disso, a Lava Jato está a mil por hora e não há acordo de cúpula que vá produzir um cavalo de pau. Os políticos podem acertar o que quiserem, mas vai ser um Deus-nos-acuda.
PS – Evo Morales (Bolívia) tenta convocar a Unasul para defender “a democracia” no Brasil. Logo, só pode ser para defender a Justiça, o próprio Supremo, o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal e a mídia. Bem vindo!
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