por William Waack
A situação do STF é irremediável. Em parte, por culpa própria: não faz o que deve – como decidir, finalmente, sobre o pagamento de auxílio-moradia para juízes e procuradores, que são hoje “a” corporação mandando no Brasil. Ou julgar, finalmente, se é mandatório encarcerar depois de condenação em segunda instância. Em parte, a situação é irremediável por ser o STF um espelho fiel do emaranhado impasse da crise política, cuja maior expressão de gravidade é a impossibilidade de se vislumbrar uma saída.
O STF virou o grande templo da insegurança jurídica por ter se transformado há bastante tempo numa esfera de embate político, que permite até vislumbrar “facções” em torno de um eixo de contencioso. O eixo é a ordem jurídica dentro da qual se dá a Lava Jato, entendida aqui como um fenômeno de enorme abrangência e apenas em segundo plano como uma questão de respeito ou não a normas legais (drama traduzido no bordão que se tornou tão popular: “juiz bom prende, juiz mau solta”).
Como instituição, conseguiu manobrar-se na pior posição possível: a de que a Justiça tarda e falha, que poderosos ali encontram confortável acolhida, e que corruptos são beneficiados por liminares e o volta-atrás em entendimentos (como a prisão após a segunda instância) que pareciam já consagrados. Não estou dizendo que os fatos do ponto de vista técnico necessariamente suportam essa percepção, mas ela se consagrou.
Estou sendo condescendente e retirando na avaliação da atuação do STF as lealdades políticas dos ministros, as preferências pessoais, as vaidades, a falta de preparo técnico e a ausência de escrúpulos por parte de alguns. Se o prezado leitor acha que é isto que explica as decisões ou não decisões do STF, adianto que mesmo crápulas contumazes são parte voluntária ou involuntariamente de um jogo político, no qual vou me concentrar.
A narrativa que impera hoje na sociedade brasileira é a de que a corrupção é o problema central, e que tudo o mais se resolve a partir do combate aos corruptos. Cujo completo domínio da esfera do sistema político-partidário – ao mesmo tempo resultado e causa da atuação dos políticos – justifica a sua destruição. E encarregada dessa destruição, com feroz apoio popular, é “a” corporação.
Incapaz de definir o jogo, ou de deslocá-lo para um outro eixo de debate, a instância política foi substituída, para efeito de grandes decisões, pela política no STF (que cuida hoje até de tabela de frete). Composto por donos e donas de cargo vitalício que, mesmo se fossem 11 santos iluminados, por definição jamais conseguiriam dar as respostas que sociedades organizadas em sistemas democráticos precisam que venham do sistema que, no Brasil, imensa maioria combinou odiar: o sistema político.
Ocorre que “o barro é esse”, expressão atribuída a Teotônio Vilela, nome de Alagoas que virou referência no processo político de redemocratização na saída do regime militar – época na qual o Brasil, num espelho distante dos tempos atuais, também queria se rearrumar. O material para fazer/refazer/renascer o País é composto pelos políticos e seus eleitores que estão aí, ou que querem entrar na política, pelo Congresso que existe, e que pode ser renovado/reciclado, e pelos partidos e movimentos políticos que podem ser fundados ou refeitos.
Essa é a diferença fundamental entre o jogo da política e a política na qual está envolvida “a” corporação que manda hoje no Brasil. Apesar do descrédito com que se encara a política no Brasil, ela é por definição reciclável. O Judiciário e o Ministério Público não são, nem existem para substituir a política, que não se verifica em termos ideais em parte alguma do planeta.
Podemos não gostar, mas o barro é esse.
extraídaderota2014blogspot
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