Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 6 de abril de 2018

"Prisão de Lula reforça o estado de direito",

editorial de O Globo

Rejeitado o pedido de habeas corpus em favor de Lula no início da madrugada de ontem, pelo Supremo, o juiz Sergio Moro, responsável pela condenação do ex-presidente em primeira instância, determinou, no fim da tarde, que ele se entregue à Polícia Federal, em Curitiba, até as 17h de hoje, para começar a cumprir a pena de 12 anos e um mês de prisão, em regime fechado, por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Fecha-se um ciclo na política brasileira, no momento em que um líder populista esbarra na Constituição. O mandado de prisão, independentemente do desfecho que terão os recursos que a defesa de Lula impetrará, é o primeiro, na história brasileira, contra um ex-presidente da República. Haja o que houver, o ineditismo está garantido.

Outro aspecto relevante está no fato de que o condenado é um líder, ainda de alta popularidade apesar de todo o desgaste com as acusações comprovadas de participar de esquemas de roubo do dinheiro público, e que se preparava para lançar a candidatura na tentativa de voltar pela terceira vez ao Planalto. Em outros tempos, seriam credenciais suficientes para agentes públicos recuarem diante do político.

Mas o momento do país é bem outro, e o mandado de prisão contra Lula confirma, por si só, que os alicerces republicanos da democracia brasileira se fortaleceram. A própria Lei da Ficha Limpa impede que Lula, condenado em duas instâncias, registre candidatura, porque está inelegível durante oito anos. Ele arguirá o veto na Justiça. Porém, mais do que nunca, vale a máxima republicana de que a Justiça é para todos.

Mas nada é simples. As dificuldades enfrentadas nas investigações de esquemas de corrupção, por meio da Lava-Jato e de outras operações, assim como os embates no Judiciário para se fazer valer o veredicto de condenação de Lula, mostram como ainda é difícil cumprir a lei contra criminosos de colarinho branco de alta estirpe. Mesmo que tudo, é o caso de Lula, tramite no estrito cumprimento da lei: condenação por Sergio Moro, em Curitiba; confirmação da condenação por unanimidade, em julgamento por três desembargadores, no tribunal de segunda instância, o TRF-4, de Porto Alegre; rejeição de pedido de habeas corpus por todos os cinco ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e, depois de dura sessão, idêntica decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, por um voto. A defesa de Lula não pode reclamar de não exercer todos os direitos.

Outra boa notícia é que o mandado de prisão do ex-presidente reafirma a vigência do estado democrático de direito. Enquanto a ordem de prisão de Lula, por sua vez, é o ponto mais alto de um processo de limpeza ética por que passa a vida pública do país, a partir do fortalecimento de instituições de Estado — Ministério Público, Judiciário, Polícia Federal —, renovadas por gerações recém-chegadas de servidores profissionais.

A Constituição de 88 passou a permitir que promotores, do Ministério Público, atuassem com autonomia, ao lado de juízes e policiais federais, na repressão à corrupção, independentemente do partido que se encontrasse no poder. Há, é óbvio, grande resistência em elevados escalões de governos e dentro do Congresso, mas a ação contra corruptos de todos os partidos continua a avançar.

Essa é uma história iniciada com o julgamento do mensalão petista, em 2012, tem sequência com a Lava-Jato, operação lançada em março de 2014, para investigar doleiros e que terminou desarticulando o petrolão, esquema destinado a desviar dinheiro público da Petrobras, com a conivência de empreiteiras, sob as bênçãos de Lula. PT, PMDB e PP, nesta ordem, estiveram à frente deste saque.

Os desdobramentos de investigações apanharam tucanos, Aécio Neves à frente, e, no Rio de Janeiro, desarticularam um grupo comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral, do PMDB, que demonstrou imensa voracidade no roubo do dinheiro público, pelo clássico método de superfaturar contratos para receber de fornecedores do estado propinas de diversas formas, idealizadas pelos chamados operadores financeiros: no exterior, internamente em dinheiro vivo etc.

A condenação de Lula pode se repetir, porque o ex-presidente ainda responde a outros processos. Há, por exemplo, o do sítio de Atibaia, em São Paulo, registrado em nome de laranjas, segundo procuradores. Delações premiadas da OAS — empreiteira também do tríplex, cujo ex-presidente, Leo Pinheiro, já preso, condenado no caso do apartamento do Guarujá — e testemunhos da Odebrecht, incluindo de Marcelo Odebrecht, implicam o ex-presidente em vultosos gastos na reforma do sítio, em troca de facilidades em negócios na Petrobras.

Especialistas em vitimização, Lula e PT tentam há tempos construir o papel de mártires diante de tenebrosas conspirações “da direita”. Uma consulta serena a depoimentos e provas, apenas nesses dois processos, mostra como Lula usou o poder para elevar o padrão de vida. Como disse um dos desembargadores no julgamento na segunda instância, em Porto Alegre: “infelizmente, Lula se corrompeu”.

Lula foi preso na ditadura militar, em 1980, por 31 dias. Fortaleceu bastante a imagem de líder na resistência ao regime ditatorial e multiplicou o cacife para entrar na política partidária, à frente do PT, fundado naquele mesmo ano. Depois de 38 anos, recebe mandado de prisão por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Uma história típica de ascensão e queda, por responsabilidade própria. Logo no primeiro mandato presidencial, correu riscos quando, em 2005, o então aliado Roberto Jefferson (PTB-RJ), um dos mensaleiros, se sentiu ameaçado pelo braço direito do presidente, José Dirceu, chefe da Casa Civil, e denunciou o mensalão. Agiu como homem-bomba. Foi cassado, como Dirceu, que era deputado federal pelo PT de São Paulo. Ambos passaram algum tempo presos, mas Lula, que não poderia deixar de saber que dinheiro do Banco do Brasil era desviado para o pagamento de mesadas a políticos, escapou.

Fragilizado, chegou a acenar para a oposição que não tentaria a reeleição, se o PSDB não liderasse o pedido de seu impeachment. A economia se recuperou, devido à terapia “neoliberal” que aceitou aplicar, o Brasil decolou, e Lula se reelegeu, levando-o a colocar no Planalto, mais adiante, uma desconhecida, Dilma Rousseff. Pela força de sua popularidade.

Mas a Lava-Jato destamparia o baú de falcatruas lideradas por Lula e PT. Longe de envergonhar o país, como acha o ministro do STF Gilmar Mendes, a condenação de um ex-presidente demonstra a força das suas instituições.
















































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