por José Casado O Globo
Michel Temer atravessou a maior parte dos seus 77 anos de vida dedicado a
uma discreta sobrevivência na atividade política. Nas últimas 32
semanas, porém, revelou-se exuberante protagonista em meia dúzia de
devassas judiciais — um caso de corrupção nas páginas do Diário da
Justiça a cada 35 dias, na média dos últimos oito meses.
Entre as múltiplas suspeitas, destacam-se:
1) Integrar um grupo, com outros 11 da cúpula do PMDB, acusado de tomar
dinheiro de empresários em troca de privilégios em negócios com
Petrobras, Furnas e Caixa;
2) ser o destinatário da mala com R$ 500 mil da J&F portada pelo seu
antigo assessor Rodrigo Rocha Loures flagrado na noite paulistana;
3) obstruir a Justiça no inquérito sobre R$ 587 milhões que o grupo
J&F teria repassado a ele e aos ministros Eliseu Padilha e Moreira
Franco;
4) obter R$ 10 milhões em dádivas do departamento de propinas da Odebrecht;
5) participar de fraude para disfarçar a origem ilegal de R$ 112 milhões
registrados pela chapa Dilma-Temer como doações eleitorais legítimas na
campanha presidencial de 2014;
6) receber benesses por um decreto (nº 9048/2017) que afetou empresas
vinculadas à Associação Brasileira de Terminais Portuários, entre elas
Libra e Rodrimar, no Porto de Santos.
Temer é caso raro de presidente investigado durante o mandato. Ano
passado, submergia abraçado a Dilma num oceano de provas, quando foi
resgatado pelo juiz Gilmar Mendes, que julgou ser preferível “pagar o
preço de um governo ruim e mal escolhido do que uma instabilidade no
sistema”. Na sequência, sobreviveu a duas votações na Câmara, garantindo
sua imunidade até o final do mandato.
Agora, já não consegue dissimular o dissabor da incriminação em escala.
Assumiu o papel de perseguido e avalizou uma escalada de ataques contra
delegados, procuradores e juízes. Conseguiu aumentar a percepção no
Congresso de que avança para um epílogo em desalento.
Professor de Direito Constitucional, arriscou-se em manobra com outro
decreto (nº 9.246/17), que flexibilizou o indulto presidencial muito
além do que havia feito Dilma em benefício de condenados no mensalão.
“Sem razão específica”, notou a Procuradoria-Geral, Temer violou a
separação de Poderes e ampliou o perdão de forma seletiva e
desproporcional. Dispensou corruptos e corruptores do cumprimento de 80%
da pena estabelecida e extinguiu sanções financeiras.
Na visão da procuradoria, ratificada em decisões de dois juízes do
Supremo, o presidente criou “um cenário de impunidade no país”. E
transformou o processo penal em algo menor:
“Está tudo perdoado, independentemente do que o Judiciário venha a dizer.”
Temer busca alternativas para os dias seguintes à descida da rampa do
Planalto. Sem foro privilegiado, sua perspectiva é a do juízo de
primeira instância — “e isso obviamente é preocupante”, lembrou seu
advogado aos repórteres Fausto Macedo e Eduardo Kattah.
O 1º de janeiro de 2019 é chave para se entender o enredo em curso sobre
perdão de 80% da pena, garantia de foro privilegiado e revisão da
prisão em segunda instância. É o horizonte do amálgama de interesses do
trio Temer, Lula, Dilma e de outros 552 denunciados — por ação ou
omissão — na roubalheira exposta nesses quatro anos da Operação
Lava-Jato.
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