por Felippe Hermes spotniks
O
desembarque de duas múmias na cidade do Rio de Janeiro na segunda
metade do século XIX deveria ter marcado a união entre dois países tão
distintos quanto Brasil e Egito. Tratava-se de um presente do vice-rei
do país africano ao imperador do Brasil, um conhecido estudioso da
cultura do ocidente.
Deveria,
se não estivéssemos falando do Brasil. Por aqui, as múmias foram
barradas na alfândega durante dias. O motivo: simplesmente não havia a
opção “múmia” para registrar a carga que entrava no país. Para resolver o
impasse, a solução foi um típico jeitinho brasileiro, que registrou nos
arquivos da receita a entrada como “carne seca”. Aquilo que poderia ser
apenas uma anedota acabou se tornando parte da história não-oficial do
Brasil e seu amor pela burocracia.
Você pode não notar, mas ela está lá. Todos os dias cobrando seu preço, estimado em R$ 330 bilhões por ano (5% do PIB)
– dos quais R$ 100 bilhões são gastos apenas para pagar os impostos
corretamente. A burocracia tornou-se amiga íntima de milhões de
brasileiros, fazendo do Brasil um país cartorial. De fato, nenhuma
profissão no país remunera tão bem quanto a de “dono de cartório”.
Nossa
justiça é a mais ampla e cara do mundo: custa 1,3% do PIB, contra 0,3%
do nosso vizinho mais esbanjador, a Argentina. Temos por aqui mais faculdades de Direito do
que todos os países do mundo somados segundo a OAB. Temos quase 1000
vezes mais processos trabalhistas do que o Japão, 50 vezes mais que os
Estados Unidos e 80 vezes mais que a França.
Percebe? É uma bola de neve, onde um número puxa o outro e todos puxam sua carteira, querendo sua parte.
Como
mostrou a Firjan, desembarcar um produto no aeroporto de Xangai demora
cerca de quatro horas. O mesmo produto no aeroporto de Guarulhos? 177
horas. No Galeão, a espera pode chegar a 240h. Em média, gastamos 60%
mais tempo com burocracia para receber qualquer produto aqui (contando
portos e aeroportos) do que nos grandes emergentes. E o resultado disso
pode ser medido em milhões ou bilhões, você escolhe. Milhões de empregos
que deixam de ser gerados ou bilhões em negócios não realizados.
Como
tudo que cerca a burocracia brasileira, muitos casos, de tão surreais,
chegam a ser engraçados. Mas na prática o fato é que emperram a vida de
milhões de brasileiros que buscam empreender ou ter uma vida mais
tranquila. Abaixo selecionamos alguns casos de como isso pode acabar
custando, e caro, no seu dia a dia.
1. Quando os pecuaristas brasileiros ficaram proibidos de exportar para 30 países, pois o Brasil está há cinco anos sem preencher um formulário.
Pouco
depois de assumir o ministério da agricultura, o novo ministro Blairo
Maggi decidiu encontrar-se pessoalmente com adidos de outros países para
ficar por dentro do trabalho e entender de que forma o Brasil poderia
ampliar suas exportações.
Em
uma reunião com representantes de diversos países, o ministro foi
interrompido pelo representante da Tailândia, país do sudeste asiático.
Segundo o mesmo, ele próprio adorava a carne brasileira, mas havia um
problema: seu país não podia consumir o produto, pois há cinco anos o
Brasil não preenchia a papelada para garantir a procedência da carne e permitir as exportações.
Após
devassa no ministério, foram encontrados cerca de 30 casos similares,
que travaram durante anos as exportações brasileiras no setor,
responsável por gerar US$ 5,5 bilhões em receita ao país anualmente.
2. O clube de astronomia em Santa Catarina que recebeu uma doação de óculos solares e foi multado pela receita em 250% do valor original.
Incentivar
o amor pela ciência no Brasil não é uma tarefa fácil. Nossas
bibliotecas costumam ser poucas e mal aparelhadas, assim como nossas
escolas. Mesmo na televisão, programas sobre o assunto são raros e
documentários são quase uma exclusividade da TV por assinatura.
Ainda
assim, clubes de astrônomos amadores como o Clube Louis Cruls, em Santa
Catarina, se dedicam a plantar nos jovens o interesse pelo tema, que
pode levar a grandes feitos.
Em
junho passado, o clube decidiu participar de uma maratona de observação
solar em escala mundial, reunindo diversos países. O projeto,
financiado pela ONG americana Charlie Bates, só seria possível graças a
uma doação de 2.600 óculos solares. São objetos simples, cujo custo
total não passa dos US$ 340, ou R$ 1,1 mil. Para a Receita Federal,
porém, os óculos só poderiam ser liberados após o pagamento de uma multa, além dos impostos de importação, totalizando R$ 2,7 mil.
3. O frei franciscano processado pelo governo por reformar igrejas.
Frei
Lucas Dolle é responsável por guardar um dos maiores tesouros do estado
da Bahia, a igreja de São Francisco de Assis, construída há mais de
três séculos. À primeira vista, a igreja parece bem conservada e não é
difícil se deixar seduzir pelos excessos de ouro empregados na
construção.
Olhando
mais de perto, no entanto, a ação do tempo é evidente. O telhado ruiu,
as janelas encontram-se carcomidas e o piso está desgastado.
Junto
da comunidade, o frei organizou um mutirão para restaurar a igreja. Não
demorou muito para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, o IPHAN, entrar na justiça e embargar a obra.
O resultado foram anos na justiça e um processo para o frei, por não apresentar o projeto de reforma ao instituto.
4. O cacau do seu chocolate que só pode ser importado de um único país.
Pouco
mais de dez anos se passaram desde que o ex-presidente Lula visitou
Gana, país da costa oeste africana. Na ocasião, a ideia de ampliar o
comércio entre os dois países virou assunto central. O que seria difícil
de imaginar é que, desde então, as barreiras criadas pelo governo
brasileiro para importação de cacau continuassem pesando tanto.
Desde esta época, barreiras fitossanitárias impedem o Brasil de
importar cacau da Costa do Marfim, o maior produtor mundial. Para os
produtores brasileiros de chocolate, a medida – e em especial a recusa
do governo brasileiro em rever o caso – tem colaborado há anos para
encarecer o preço do seu produto. Em qualquer quebra de safra ou
frustração nas expectativas de produção nacional, o preço não demora a
subir, forçado pelo monopólio detido por Gana.
5. A fila de quatro anos necessária para importar qualquer equipamento médico.
Garantir
a entrada de equipamentos médicos no Brasil não é uma tarefa das mais
simples. Selos de reconhecimento internacional e autorização por dezenas
de agências internacionais acabam por ter pouco ou nenhum peso diante
das especificidades brasileiras.
Para
autorizar a entrada de qualquer equipamento por aqui, a Anvisa
determina que seus técnicos devam viajar e conhecer pessoalmente as
instalações dos fabricantes ao redor do mundo e garantir um selo de boas
práticas.
O resultado é uma fila de milhares de equipamentos parados pela agência à espera da regulamentação necessária.
Para
as entidades do setor, o problema está na entrada de tecnologia no
país. Como nesta área a inovação se dá em um ciclo de dois anos, o tempo
necessário para a autenticação da agência acaba deixando nossos
equipamentos quase sempre defasados.
6. Quando o Rio de Janeiro perdeu uma doação de US$ 500 milhões para despoluir a Baía de Guanabara porque o projeto ficou parado na gaveta.
Despoluir
a Baía de Guanabara, um dos maiores símbolos do Rio de Janeiro, é um
sonho antigo dos fluminenses e um símbolo de certos problemas que teimam
em não desaparecer de nossa infraestrutura.
A
cada três litros de esgoto coletado no estado, apenas um é devidamente
tratado, sendo os outros dois despejados em locais como a Baía.
Para levar adiante o plano de despoluição, a ONG americana Second Chance, de olho nas Olimpíadas, decidiu aportar US$ 500 milhões no projeto, contratando imediatamente uma companhia também americana para executá-lo.
A
consultoria americana ATS fez um plano para ser executado em quatro
anos, iniciando-se em fevereiro de 2012. O projeto, porém, ficou preso
entre as gavetas da CEDAE e do governo do Rio. Neste período de tempo, o
dono da ONG acabou morrendo e os planos mudaram.
7. O restaurante que ficou fechado durante dois meses por falta de letreiros que indicassem a saída.
O
plano de prevenção e combate a incêndios foi uma das respostas do corpo
de bombeiros gaúcho à tragédia da boate Kiss, ocorrida em 2013. Foi em
uma das visitas regulares realizadas pela corporação a bares,
restaurantes e casas de espetáculos, que os bombeiros porto-alegrenses
acabaram indo parar na Oak’s, uma casa de comida mexicana.
Por
lá, viram que estava tudo correto, exceto por um pequeno detalhe: não
haviam sinais luminosos indicando a saída do estabelecimento.
Para
evitar um transtorno maior e garantir o funcionamento da casa no
almoço, o dono saiu então correndo em direção ao centro para adquirir o
material. Instalou tudo e tirou fotos por volta das dez da manhã, ainda
na esperança de garantir o funcionamento do dia. Se dirigiu aos
bombeiros e mostrou as fotos do erro corrigido.
Para os bombeiros, entretanto, as fotos eram insuficientes. Tiveram de marcar uma inspeção.
Levou
cerca de dois meses para que pudessem ir ao local. Durante o período, o
restaurante permaneceu fechado sem poder funcionar.
8. A multa de R$ 3 milhões para o índio que resolveu vender prendedores de cabelo e outros objetos sem autorização da Funai.
A
festa do boi em Parintins é um dos mais concorridos eventos da região
norte, atraindo centenas de milhares de turistas anualmente. Foi em uma
destas festas que um indígena da tribo Wai-Wai recebeu a maior multa já
concedida a um índio no Brasil.
Por
confeccionar, transportar e vender peças produzidas com penas de
animais silvestres constantes na lista de animais em extinção, o IBAMA
determinou sua prisão.
Para
cada uma das 132 unidades encontradas com ele, uma multa no valor de R$
5 mil, totalizando R$ 660 mil. Por se tratar de um caso de
reincidência, o valor chegou a impressionantes R$ 3 milhões.
Segundo
o Ibama, trata-se de mera aplicação da lei. O indígena foi apreendido
com peças como prendedores de cabelo, dois colares e 21 brincos.
A multa acabou sendo barrada pelo Ministério Público.
9. Quando uma casa ficou irregular na prefeitura por um ralo de 10 centímetros, e não 15 como manda a lei.
O
sonho da casa própria ainda é um desejo distante para boa parte dos
brasileiros. Por aqui, zerar o déficit habitacional demandaria construir
6,4 milhões de novas residências.
O
resultado é que, mesmo com uma carga tributária que pode chegar a
49,66% do preço final do imóvel (em outras palavras, construa um pelo
preço de dois), muitos brasileiros levam adiante a ideia de construir
sua própria residência e garantir maior conforto para sua família.
Em Manaus,
cidade onde a prefeitura considera que mais da metade das residências
são irregulares, construir a casa pode parecer fácil, quando comparado
com o próximo passo: regularizá-la.
Para
legalizar a casa construída e com isto ter direito a negociá-la
livremente, é possível que os moradores esperem por volta de quatro anos
para liberar um alvará. E após esse tempo, têm que se submeter a uma
inspeção para liberar o habite-se.
Há
casos de residências cujo habite-se foi negado por contar com um ralo
no banheiro cuja largura media 10 cm, quando a prefeitura exige 15 cm.
Recuos
laterais e frontais são via de regra o que mais pesam e tornam boa
parte das residências nas periferias brasileiras ilegais perante os
planos diretores.
Como calculou o atual presidente do IBGE, Paulo Rabelo de Castro, negar o patrimônio a estas famílias, estimadas por ele em 17 milhões, significa negar cerca de R$ 1 trilhão em patrimônio. Tudo por não seguir os conformes de planos diretores Brasil afora.
Para a legislação tributária, a pessoa física do pagador de impostos não necessariamente irá se extinguir após sua morte.
Mesmo depois de morrer, todos os seus bens, que deverão estar em nome de um espólio, continuarão a pagar impostos e você, além do imposto de transmissão de bens intervivos, deverá bancar tudo isso com a renda a ser gerida pelo inventariante.
Em resumo, você passa a vida inteira pagando metade do seu salário em impostos, junta recursos para deixar de herança e quando chega sua hora… paga imposto sobre eles. Feita a transferência, seus herdeiros deverão pagar imposto de renda sobre os bens recebidos.
Como calculou o atual presidente do IBGE, Paulo Rabelo de Castro, negar o patrimônio a estas famílias, estimadas por ele em 17 milhões, significa negar cerca de R$ 1 trilhão em patrimônio. Tudo por não seguir os conformes de planos diretores Brasil afora.
10. O fato de que por aqui morrer não significa que você deixará de pagar impostos.
Para a legislação tributária, a pessoa física do pagador de impostos não necessariamente irá se extinguir após sua morte.
Mesmo depois de morrer, todos os seus bens, que deverão estar em nome de um espólio, continuarão a pagar impostos e você, além do imposto de transmissão de bens intervivos, deverá bancar tudo isso com a renda a ser gerida pelo inventariante.
Em resumo, você passa a vida inteira pagando metade do seu salário em impostos, junta recursos para deixar de herança e quando chega sua hora… paga imposto sobre eles. Feita a transferência, seus herdeiros deverão pagar imposto de renda sobre os bens recebidos.
extraídadespotniks.com
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