Igor Gielow - Folha de São Paulo
A ditadura cubana iniciada pela revolução conduzida por Fidel Castro em
1959 é o regime mais sanguinário em impacto relativo à sua população
entre as diversas autocracias espalhadas pela América Latina na segunda
metade do século 20.
Essa é a leitura imperfeita e possível dos conflitantes dados
disponíveis para comparação. Por óbvio, não se trata de atenuar um
regime em relação ao outro, mas de lançar alguma luz em um momento em
que a demonização e a santificação de Fidel andam de mãos dadas pelas
redes sociais.
O problema central para alcançar alguma precisão metodológica é o fato
de que não há dados oficiais de Havana sobre as vítimas do regime ainda
no poder, naturalmente.
Mas mesmo nos países que disponibilizaram números por meio de comissões
da verdade e similares após voltarem ao regime democrático, há
discordâncias sobre as estimativas.
Na Argentina, cujo regime militar foi o mais mortífero entre as
ditaduras à direita e é o campeão local quando a régua é a velocidade da
brutalidade aplicada, historicamente ativistas falavam em 30 mil mortos
e desaparecidos entre 1976 e 1983.
Hoje o dado é visto como propaganda difundida por exilados na Europa, e
já foi criticado publicamente por aliados do presidente Mauricio Macri,
gerando polêmica. A lista oficial do Conselho Nacional sobre o
Desaparecimento de Pessoas fala em 8.961 vítimas, mas já sofreu revisões
do próprio governo e é objeto de acirrado debate.
Os mesmos exageros ocorrem na divulgação dos dados cubanos, geralmente
feitos com apoio da comunidade exilada nos Estados Unidos, francamente
anticastrista. O "número mágico" aqui é de 100 mil mortos e
desaparecidos, incluindo aí uma multidão de afogados na tentativa de
fugir da ilha.
Um trabalho considerado mais ponderado e bem documentado é divulgado
pelo projeto "Cuba Archive", coordenado por uma ONG de
cubanos-americanos.
Ele computa 7.326 mortos e desaparecidos nas prisões cubanas, a maioria
(quase 6.000) fuzilada ou assassinada extrajudicialmente. Não se incluem
aí os afogados, que perfazem dezenas de milhares segundo diversos
relatos.
Considerando essa estimativa mais conservadora, nos seus 57 anos de
ditadura, Cuba produziu 65 mortos ou desaparecidos por grupo de 100 mil
habitantes.
"O Livro Negro do Comunismo", obra de referência europeia que sofreu
críticas por supostas imprecisões, aponta até 17 mil fuzilamentos ao
longo dos anos Castro. Sob essa métrica, a média sobe para 154,5 mortos
por 100 mil habitantes.
A Argentina, por sua vez, registrou um grupo de 30,9 mortos e
desaparecidos por 100 mil habitantes nos sete anos de governo militar. O
Chile do general Augusto Pinochet, 23,2 por 100 mil habitantes nos 17
anos do regime.
Já o Brasil, segundo os dados da Comissão Nacional da Verdade, teve 434
mortos ou desaparecidos nos 21 anos de governo de generais, encerrados
em 1985. Um índice de 0,3 por 100 mil habitantes.
O Paraguai registra oficialmente 425 mortos ao longo de 35 anos da
ditadura de Alfredo Stroessner, ou 10,4 mortos por 100 mil habitantes.
O Uruguai, 7,6 por 100 mil, a maioria vitimada na Argentina por agentes
da Operação Condor –o esforço coordenado dos regimes da região para
caçar militantes esquerdistas que fugiram de um país ao outro.
Por fim, a Bolívia tem um índice de 6,2 mortos para cada 100 mil moradores sob seus governos autocráticos.
Não é possível saber exatamente a população do país no momento de cada
morte. Portanto, para fins de comparação, foi considerada aqui a
população total do país no ano final do regime. Os números estão
arredondados.
RANKING
Se o critério para a avaliação for a velocidade com que a ditadura
matou, a Argentina lidera o ranking com folga, com 1.280,1 mortos ou
desaparecidos por ano de vigência do jugo militar. Chile vem em seguida
com 180,2, Cuba com 143,6 e Brasil com 20,6 vítimas.
O problema dessa medição, além de desconsiderar o critério populacional, é que ela dissimula a evolução histórica dos regimes.
Relatos indicam que o "paredón" cubano foi bem mais ativo nos anos de
consolidação do regime de Fidel. Há uma moratória nas execuções
admitidas por Havana desde 2003, e uma queda abrupta no número de
vítimas registrado pelo "Cuba Archive" nos anos de Raúl Castro no poder:
264 vítimas de 2006 para cá.
Na Argentina, a chamada "guerra suja" também se concentrou nos anos iniciais da ditadura.
extraídaderota2014blogspot
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