BERNARD APPY ESTADÃO
Há hoje no
Brasil um consenso sobre as distorções e os efeitos perversos para a
economia dos tributos sobre bens e serviços: ICMS, PIS/Cofins, IPI e
ISS. Essas distorções se manifestam na forma de um elevado custo de
compliance, de um altíssimo nível de litigiosidade entre os
contribuintes e o Fisco, de uma guerra fiscal ilegal, irracional e
improdutiva, de prejuízo à competitividade da produção nacional e,
principalmente, de grandes distorções alocativas, que levam as empresas
brasileiras a se organizarem de forma ineficiente. Também há consenso de
que os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são os mais sérios, embora o
IPI e o ISS apresentem igualmente distorções.
Há, no entanto,
menos consenso sobre qual a melhor forma de superar esses problemas. Nos
últimos anos, o governo federal vem buscando aprovar uma reforma do
ICMS, ao mesmo tempo que elaborou uma proposta de mudança na legislação
do PIS/Cofins. Embora bem-intencionadas, essas propostas deixam muito a
desejar em termos de alcance e impactos, como se discute a seguir. Para
efetivamente melhorar a qualidade do sistema tributário brasileiro seria
preciso adotar as melhores práticas internacionais de tributação de
bens e serviços, consubstanciadas no modelo do Imposto sobre o Valor
Agregado (IVA).
ICMS. De 2013 ao início de 2016, o
Ministério da Fazenda buscou aprovar uma reforma do ICMS baseada na
redução das alíquotas interestaduais do imposto para 4% – medida que
tiraria força da guerra fiscal – e na convalidação dos benefícios
concedidos ilegalmente. A mudança seria complementada pela criação de um
fundo de compensação para os Estados que perdessem receitas e de um
fundo de desenvolvimento regional. Essa linha de atuação recebeu apoio
de 21 dos 27 Estados reunidos no Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz), que em 2014 votaram a favor do Convênio ICMS n.º
70.
Há alguns anos, eu também achava que esta reforma parcial do
ICMS seria uma boa solução, embora não a ideal. Hoje não acho mais. Por
vários motivos, o modelo proposto provavelmente gerará mais problemas
que soluções.
Em primeiro lugar, a redução das alíquotas
interestaduais do ICMS, sem que se institua um mecanismo eficaz de
ressarcimento do crédito do imposto, levará as empresas com grande
volume de vendas interestaduais a acumularem saldos credores cuja
recuperação é extremamente difícil nos Fiscos estaduais.
Em
segundo lugar, a redução das alíquotas interestaduais do ICMS levará a
um aumento expressivo da carga tributária (da ordem de algumas dezenas
de bilhões de reais), porque o imposto não cobrado no Estado de origem
das mercadorias por causa dos benefícios da guerra fiscal passará a ser
recolhido no Estado de destino.
Em terceiro lugar, o acordo
consolidado no Convênio 70/14 prevê uma série de exceções à alíquota
interestadual de 4%, gerando grandes distorções e tornando o ICMS
disfuncional.
Em quarto lugar, e por fim, a proposta tende a
gerar um desequilíbrio importante entre os Estados ricos e pobres, pois
os benefícios dos Estados pobres perderão força com a redução das
alíquotas interestaduais, enquanto os benefícios internos (usualmente
concedidos pelos Estados ricos) serão convalidados e mantidos
integralmente.
PIS/Cofins. No que diz respeito ao
PIS/Cofins, o Ministério da Fazenda divulgou, em 2015, as linhas gerais
de um projeto de lei (ainda não divulgado) que busca eliminar as
principais distorções destes tributos, que são a sobreposição dos
regimes não cumulativo e cumulativo e o sistema de “crédito físico”,
pelo qual apenas bens e serviços incorporados ao produto final geram
crédito. Pela proposta, o regime não cumulativo seria estendido a todas
as operações e seria adotado o sistema de “crédito financeiro”, pelo
qual todos os bens e serviços necessários à atividade empresarial geram
crédito.
Embora a proposta represente uma melhora em relação ao
atual modelo – inclusive resolvendo o principal motivo de litígio
relativo ao PIS/Cofins, que é a definição do que gera crédito no regime
não cumulativo –, ela ainda fica muito aquém do desenho de um bom IVA.
Por
um lado, a proposta do governo prevê três alíquotas para o novo
PIS/Cofins (básica, reduzida e intermediária), enquanto as melhores
práticas internacionais recomendam que o IVA tenha apenas uma alíquota.
Além de a multiplicidade de alíquotas gerar distorções, é certo que
durante a tramitação do projeto no Congresso haverá grande pressão para a
inclusão de outros bens e serviços nas alíquotas reduzidas. Os
prejudicados serão os setores que não conseguirem se encaixar nas
alíquotas reduzidas, que terão de arcar com uma carga tributária ainda
mais elevada para manter a arrecadação.
Por outro lado, a mudança
proposta mantém a incidência de PIS/Cofins apenas sobre as empresas,
enquanto um bom IVA incide sobre a atividade econômica, qualquer que
seja a forma em que esteja organizada. Essa característica, além de
gerar distorções, impede que o modelo do PIS/Cofins sirva como
referência para uma posterior reforma do ICMS e do ISS, que também
incidem sobre pessoas físicas.
IVA. Diante das distorções
(no caso do ICMS) e do alcance limitado (no caso do PIS/Cofins) das
propostas atualmente em discussão, certamente seria melhor adotar outro
modelo de reforma, que busque aproximar o máximo a tributação de bens e
serviços no Brasil de um bom IVA. Uma proposta neste sentido,
contemplando um modelo com alíquota única e transição longa, foi
apresentada em artigo publicado neste espaço (Nossa reforma tributária)
em 4 de julho deste ano.
Os benefícios de uma mudança mais
abrangente do modelo tributário brasileiro são muito grandes e seu custo
político pode não ser muito maior que o das reformas parciais que o
governo vem discutindo nos últimos anos.
quinta-feira, 15 de setembro de 2016
ICMS e PIS/Cofins ou IVA -
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