editorial do Estadão
Quatro dias depois de o relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal
(STF), Teori Zavascki, tê-lo acusado de “tentar embaraçar” as
investigações a seu respeito a cargo da Polícia Federal e do Ministério
Público Federal, sob o comando do juiz Sergio Moro, o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva foi à sede do Poder Judiciário. Convidado para a
posse da ministra Cármen Lúcia, que substituiu Ricardo Lewandowski na
presidência da Suprema Corte, ele assistiu, impassível, à solenidade em
que os oradores trataram principalmente do tema da corrupção, delito
pelo qual é investigado em Brasília, São Paulo e Curitiba. Amigos
tentaram dissuadi-lo de comparecer à solenidade para evitar
constrangimentos. Mas ele foi convencido por assessores de que a recusa
poderia azedar suas relações com os ministros, principalmente depois da
cobrança dura que o dono da última palavra sobre seus inquéritos usou
para repelir o último pedido de seus defensores. Tê-lo-ia ajudado a
tomar a decisão a lembrança de que a ministra Cármen Lúcia lhe garantira
sua “gratidão eterna” ao ser indicada ao cargo por ele, em 2006.
Os amigos e assessores que se opunham a seu comparecimento argumentaram
que sua presença no auditório fragilizaria a versão petista de que o
impeachment de Dilma Rousseff teria sido um golpe, sustentada em
discursos e palavras de ordem gritados nas ruas por ele, pelo PT, pelos
militantes dos movimentos sociais e pela própria presidente deposta. Ao
contrário, naquele lugar impróprio, o ex-presidente deu nova
demonstração de que, como seus companheiros, ele não precisa lançar mão
de fatos para insistir no discurso de que “impeachment sem crime é
golpe”. E não titubeou em dizer a quem dele se aproximou que a deposição
de sua afilhada e sucessora teria sido, mais do que um golpe, um
“crime”. Destarte, Lula disparou uma acusação grave para confrontar a
Justiça, que legitimou todos os passos e ritos do processo, até porque o
presidente do julgamento final, ocorrido sob a luz dos holofotes da
cobertura extensiva e diária dos canais de televisão, foi Ricardo
Lewandowski, que transmitia a chefia da Suprema Corte a Cármen Lúcia.
Lula disputou cinco eleições presidenciais, tendo perdido três e vencido
duas, e apostou as fichas de sua até então inegável e insuperável
popularidade para eleger Dilma duas vezes. Mas relegou a um plano
inferior o Estado Democrático de Direito, sob cuja égide jurou duas
vezes fidelidade à Constituição da República. De volta a 1988, quando o
PT votou contra o texto constitucional e só o assinou, contra a vontade
da maioria dos companheiros, por vigorosa insistência do deputado
Ulysses Guimarães, fez pouco das instituições republicanas. “Falta muito
para consolidar o nosso processo democrático”, vaticinou.
No auditório do STF, deixou claro, também, que a decomposição política e
o desprestígio eleitoral de sua grei, provocados por incompetência na
gestão e pela roubalheira desregrada de estatais, bancos públicos e
outros patrimônios federais, e causa das dificuldades do PT nas eleições
municipais deste ano, não o farão ceder. Ao contrário, ele previu que o
partido “vai ter que fazer oposição, vai ter que brigar”. Age como se a
tarefa de reconstruir a economia destroçada nos 13 anos, 4 meses e 12
dias dos dois governos petistas fosse apenas de Temer, a quem fingiu não
reconhecer, no que, aliás, foi correspondido com idêntico descaso.
Segundo Lula, “Temer vai ter que fazer com que esse país saia da crise
econômica; a crise política vai durar muito tempo”.
A falta de compromisso do líder, que se orgulha de ter sido o mais
popular presidente da História, com as inconsequências do próprio
desgoverno comprova que, por mais que o impeachment de Dilma e a
cassação do mandato de Eduardo Cunha revelem que as instituições
democráticas estão funcionando, de fato ainda falta algo para a
democracia se consolidar: uma oposição capaz de reconhecer os próprios
erros e disposta ao diálogo para reconstruir sobre as ruínas que causou.EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT





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