HÉLIO SCHWARTSMAN FOLHA DE SP
SÃO PAULO - Nos anos 80,
quando eu fazia a cadeira de grego clássico na USP, havia uma aluna
evangélica. Numa prova, não lembro bem em qual semestre, nos foi dada a
tarefa de traduzir para o português um texto que falava de Zeus, Hera e
outros deuses pagãos. A estudante se recusou a fazer o teste, alegando
que escrever aqueles nomes "nojentos" ia contra sua religião.
Nossa
professora, a excelente Isis Borges da Fonseca, em seu estilo sempre
sem papas na língua, disparou: "então, você vai tirar zero". A ideia
aqui é que alguém que se dispõe a estudar o idioma e a civilização
gregos não pode se negar a ser exposto à cultura helênica, que,
obviamente, inclui os deuses olímpicos.
Esse episódio me veio à
memória ao ler uma reportagem sobre a polêmica desencadeada pela
Universidade de Chicago que enviou uma carta de boas-vindas aos calouros
deste ano em que os advertiu de que não devem esperar um ambiente
politicamente correto (PC).
A missiva, assinada pelo diretor Jay
Ellison, afirma que a universidade não apoia os chamados
"trigger-warnings", isto é, os alertas que precedem textos cujos
conteúdos possam ser tidos como inadequados, não desconvida palestrantes
que tratem de temas controversos e não está comprometida com a criação
de "safe spaces", espaços seguros em que os estudantes podem isolar-se
de ideias com as quais não concordam.
Como já escrevi aqui, não
sou daqueles que têm horror ao PC, que eu considero o efeito colateral
de um movimento civilizatório. É positivo que estejamos cada vez mais
preocupados com direitos de minorias, mas isso não nos autoriza a
censurar discursos que não partilhem desses valores nem a poupar
estudantes do contraditório. Assim como, 30 anos atrás, dei razão a
Isis, agora dou razão à Universidade de Chicago. O crescimento
intelectual exige o confronto de ideias -o que inevitavelmente causa
desconforto.
terça-feira, 20 de setembro de 2016
Desconforto -
extraídadeavarandablogspot
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