Gaudêncio Torquato: Com Blog do Noblat - O Globo
O Brasil está à procura de um herói. O herói que se procura não é quem
opera milagres, um São Jorge de espadas determinado a matar os dragões
da maldade. Conhecemos um deles no passado, aquele que foi à arena para
enfrentar “os marajás” e acabou sendo tragado pela maré da corrupção. Um
impeachment ceifou sua trajetória como presidente da República. Que
Deus nos livre de guerreiros que se vestem com o manto de Salvadores da
Pátria.
Nessa Nação sem novos líderes, os heróis do cotidiano mais se aproximam
dos jovens quadros que militam no Judiciário e no Ministério Público, a
partir do perfil do juiz Sérgio Moro. Na frente política, os entes
partidários, com pouquíssimas exceções, são todos japoneses, ou seja,
assemelhados. Aqueles que parecem se banhar com gotas de águas éticas
acabam, mais cedo ou mais tarde, mostrando que suas roupas também se
sujaram na lama que respinga sobre os vãos da politicagem. Até Marina
Silva, que respirava puros ares amazônicos, é flagrada nos cofres do
Caixa 2 de uma empreiteira.
Está difícil achar alguém com traje de vestal. No máximo, o que se pode
dizer dos atores políticos é que uns levaram mais grana que outros, a
comprovar diferenças entre lotes de recursos, gordos para os grandes
partidos, magros para as siglas de pequeno porte. Daí a conclusão de não
haver inocentes no paiol da política. Não adianta distinguir as culpas
pelo tamanho de fatias maiores ou menores. O saudoso Ulysses Guimarães
já dizia: “uma pessoa 99% honesta é 100% desonesta, porque não existe
honestidade relativa”. Ou se é honesto ou não. É como a gravidez.
Inexiste mulher mais ou menos grávida. Portanto, os participantes do
banquete político provam o mesmo cardápio.
Faltam heróis em todas as paredes. Na política, na administração, nos
negócios e até nos esportes. Eike Batista, o mega empreendedor, foi
defenestrado dos seus mega negócios; Dilma, que assumiu o primeiro
mandato envergando a roupa de excelente gerente, deixou o Brasil
quebrado; a seleção brasileira acaba de ser despedida da Copa América,
fazendo papel decepcionante na era Dunga, o volante que acaba de ser
expelido pela CBF. Os esportes estão todos carimbados de cifrões. Neymar
desfila sua riqueza nos palcos da Europa, soltando palavras ácidas
contra aqueles que criticam a seleção. As disputas são movidas pela
força do metal. O glamour se esvai dos estádios, sufocando nossas
emoções. O mundo se materializa.
O que sobra de bom e onde? Seriam os jovens procuradores que cercam
Rodrigo Janot, ou, ainda, os membros da República de Curitiba? Talvez,
mas estes mesmos parecem encantados com a pirotecnia do
Estado-Espetáculo. Dão muitas entrevistas, polemizam, atiram verbos
contundentes para cima e para os lados, enquanto sua postura deveria ser
a de agentes silenciosos em defesa da sociedade. O juiz Moro, mesmo
cumprindo sua função (muito bem) parece deslumbrado com a fosforescência
midiática. No Congresso Nacional, alguns perfis sobressaem pelo teor
crítico de sua locução. Mas os posicionamentos mais firmes de uns acabam
ofuscados pelas fogueiras que se acendem ao redor. Vejam a deputada
Jandira Feghali. Considerada baluarte da esquerda, guerreira que luta na
defesa da presidente Dilma, é alvo de tiroteio de Sérgio Machado,
ex-senador, hoje o grande delator.
“Ninguém pode desfrutar das coisas sagradas enquanto não estiver a limpo
de corpo e de espírito”. A lição do Levítico, da Bíblia, cai bem no
nosso momento. Ninguém pode almejar o paraíso se não for puro. Os
impuros e os pecadores hão de pagar seus pecados no purgatório, se não
forem condenados diretamente ao fogo do inferno. Pois bem, importantes
habitantes do planeta político aguardam no purgatório o desfecho para
seu destino e alguns já estão queimando nas chamas do inferno. Está em
jogo não apenas a imagem devastada dos representantes sociais. Está em
jogo a própria credibilidade da instituição parlamentar, atingida por
impactantes eventos dos porões da corrupção. A cada dia, aumenta a lista
de políticos pendurados nas planilhas das empreiteiras. A pergunta
procede: quem não recebeu nada de empresas? Quem está imune às críticas?
Daqui a pouco a comunidade nacional entrará no clima das eleições
municipais. Veremos nas telas de TV um desfile de caras e bocas. No
palanque eletrônico ouviremos compromissos e promessas. Infelizmente, a
demagogia vai continuar nas expressões mirabolantes, na recitação
artificial de qualidades inventadas, na exposição de cenários e
propostas irreais. O pleito nivelará os competidores. Vai juntar, lado a
lado, pessoas de boa e má fé, bem intencionados, interesseiros e
oportunistas. Siglas de aluguel se misturando a grandes partidos, que,
por sua vez, desfigurados de doutrina, vão aparecer como massas amorfas.
Quantos serão movidos pelo espírito de civismo? Os prefeitos que estão
se re-candidatando fizeram ou não uma boa administração? Os novos
representam efetivamente a inovação ou são apenas velhos perfis
embalados no celofane do marketing?
Mas nem tudo estará perdido. Do lado dos eleitores, há um senso crítico
em efervescente evolução. Na esteira da crise moral, a sociedade se
torna mais racional e crítica. Passou a acompanhar de perto o desempenho
dos atores. Até espera pelo cardápio indigesto que os telejornais
oferecerão à noite. Nos recantos mais distantes, a vacina ética se diz
presente. Há um eleitorado maciço que ainda vive sob os braços
assistencialistas do Estado. Mas este próprio grupo se indigna contra o
estado de descalabro em que se encontra o país. O voto de consciência se
expande na esteira de um movimento concêntrico, que faz marolas por
todas as partes, saindo do centro da sociedade para as margens. Um sopro
de oxigênio invade os pulmões sociais.
Se ainda há canalhas desejando parecer santos, heróis ou salvadores da
Pátria, acabarão sendo identificados pela lupa social. Que sabe muito
bem que nomes guardar no santuário de seus corações.
extraídaderota2014blogspot
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