Ruy Castro: Folha de São Paulo
Em 15 dias fora do país e lendo diariamente os jornais locais, nenhuma
notícia sobre o Brasil. Eu não precisava de manchetes. Uma notinha na
página 18 ou uma simples linha que fosse, qualquer coisa me satisfaria.
Mas nem isso. Era como se o público de Lisboa, Londres e Dublin vivesse
muito bem sem saber das piruetas de Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer,
Aécio Neves, José Sarney, Romero Jucá, Renan Calheiros, Eduardo Cunha e
outros protagonistas dos nossos destinos.
É verdade que os leitores daquelas cidades tinham mais do que se ocupar.
Em Lisboa, começava a aguardada temporada anual dos caracóis e
sardinhas, para gáudio dos restaurantes junto às docas – eu próprio me
refestelei num deles, comendo com as mãos e me lambuzando. Em Londres,
festejavam-se os 90 anos da rainha Elizabeth, justificando que os mais
indescritíveis chapéus femininos saíssem às ruas. E, em Dublin, dava-se o
Bloomsday, o dia dedicado ao escritor James Joyce, uma das glórias
literárias dos irlandeses.
Impossível para o distante e indiferente Brasil competir com esses
eventos no noticiário. Nem o fato de ser um país gigantesco e vivendo
uma crise política e econômica sem precedentes, com suas tripas
explodindo e excretando corrupção, parecia fazê-lo merecedor de espaço.
Para piorar, pipocaram assuntos novos e de relevância internacional: achacina em Orlando, Flórida, combinando terrorismo, homofobia e venda de armas; a reta final do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia; e o assassinato da deputada Jo Cox por um racista nacionalista britânico. Diante disso, só sairíamos no jornal se algo totalmente absurdo acontecesse.
Pois no último dia, sábado, aconteceu. O Brasil voltou ao noticiário porque, de repente, Rio e São Paulo registraram temperaturas de – quanto? – 10 ou 11 graus.
extraídaderota2014blogspot
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