Roberto Pompeu de Toledo:
Publicado na versão impressa de VEJA
O catatau de 377 páginas que contém a delação premiada do ex-senador e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, divulgado na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal, revela o bas-fond da política brasileira como poucas vezes se viu num documento oficial. São citados 24 políticos, de oito partidos. Até para o presidente interino Michel Temer sobra uma rebarba, e grave, com a denúncia de que interferiu junto a Sérgio Machado em favor de contribuição ao candidato à prefeitura de São Paulo Gabriel Chalita, em 2012. Mas o protagonismo cabe ao quinteto formado pelos senadores Renan Calheiros, Romero Jucá, Edison Lobão e Jader Barbalho e pelo ex-senador (e ex-presidente da República) José Sarney. Entre tantos nomes citados, tende-se a misturá-los e igualá-los. É um erro. As estrelas incontestes são esses cinco, todos do PMDB. Depois do que se lê no depoimento de Machado, o fato de continuarem exercendo influência, quatro deles ainda em altas funções, rebaixa e desqualifica a política brasileira para nível ainda mais baixo e desqualificado do que aquele em que já se encontrava.
A Operação Lava Jato tem oferecido memoráveis lições sobre como funciona o poder no Brasil. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, o primeiro dos delatores, ensinou que doações de empresas a políticos não são doações ─ “são empréstimos, a ser pagos com altos juros”. Sérgio Machado agora esclarece três pontos que já se adivinhavam, mas nunca tinham vindo de fonte tão autorizada, assim resumidos nos autos: “1) Políticos indicam pessoas para cargos em empresas estatais e órgãos públicos e querem o maior volume possível de recursos ilícitos, tanto para campanhas eleitorais quanto para outras finalidades; 2) Empresas querem contratos e projetos e, neles, as maiores vantagens possíveis, inclusive por meio de aditivos contratuais; e 3) Gestores de empresas estatais têm duas necessidades, uma a de bem administrar a empresa e outra a de arrecadar propina para os políticos que os indicaram”.
Sérgio Machado foi indicado para a Transpetro, em 2003, sob o alto patrocínio do poderoso quinteto, com destaque para Renan, primus inter pares. No ano anterior ao término de seu mandato no Senado, ele arriscara uma candidatura ao governo do Ceará e perdera. Era da turma, era de confiança, e estava desempregado. Machado, cuja função seria encaminhar os “por fora” recebidos das fornecedoras da Transpetro aos políticos, não os decepcionou. Renan levou, ao longo dos doze anos em que seu afilhado comandou a estatal, 32 milhões de reais, Lobão 24 milhões, Jucá 21, Sarney 18,5 e Jader, pobrezinho, 3 milhões.
Jader “pressionava muito por propinas”, delata Machado, mas, segundo transparece no depoimento, tinha vida muito enrolada. Numa ocasião, pediu que os parceiros arcassem com uma dívida de 300 000 reais que tinha com um advogado. Renan, Lobão e Machado entraram com 100 000 cada um. Mais adiante, exigiu que Machado arcasse com uma dívida que contraíra com o banco BVA. Machado não encontrou jeito de fazê-lo, e a relação entre os dois se deteriorou.
Lobão, entre os cinco, figura como o que ia mais direto ao ponto. Ao assumir o Ministério de Minas e Energia, em 2008, disse a Machado que agora, tendo a Transpetro sob sua jurisdição, ganhara direito à maior bolada. Desde o ano anterior (e até 2014), quatro dos integrantes do quinteto (Jader excluído) recebiam boladas mensais. Renan recebia 300 000, Jucá 200 000. Lobão pediu 500 000. Machado não teve como chegar a essa quantia, e o acerto ficou nos mesmos 300 000 de Renan.
Os mensalões eram entregues em espécie, e a operação de entrega revela o ambiente mafioso entre nossos personagens. Tanto o entregador do dinheiro quanto o recebedor agiam sob codinome. Um papel com o codinome do entregador, o local e a hora da entrega era fornecido por Machado ao político, pessoalmente, em Brasília, a cada mês ou cada dois meses. Machado fazia tudo direitinho, como exigiam os patrocinadores, mas não esquecia de si próprio. Sua parte nas propinas era depositada num trust na Suíça, que, em 2012, somava quase 73 milhões de reais. O toque de humor, ou rasgo de franqueza, foi dar ao trust o nome de Tartufo, o personagem de Molière que encarna o mais célebre hipócrita da literatura universal. Hipocrisia cabe, mas é pouco. Espelha apenas um dos atributos do grupo, talvez o mais inofensivo.
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