Eliana Cantanhêde: O Estado de São Paulo
Se Dilma já deu o Ministério da Saúde para o deputado Marcelo Castro
enfrentar zika, chikungunya, dengue e H1N1 quando o PMDB ainda era
oficialmente governo, o que ela não dá agora para tentar amarrar o PP, o
PR, o PSD e outros ao pé claudicante de seu governo? É um festival de
ministérios, estatais e cargos de segundo e terceiro escalão, não mais
pelo natimorto ajuste fiscal, mas para tentar evitar o impeachment.
Imagine-se como Dilma delegou para Leonardo Picciani um dos cargos mais
sensíveis da República. “Querido, quem você tem aí para a Saúde?”. Ele,
rastreando a bancada do PMDB: “Olha, presidenta, tem lá um tal de Mauro
de Castro, ou Marcelo, não sei direito. Parece que tem diploma de
médico”. E ela: “Feito!”.
O Aedes aegypti adorou, mas nem por isso Dilma garantiu o apoio do PMDB
do Rio, que votou alegremente pelo rompimento com o governo. E quem
anunciou a traição foi o pai do Piccianinho, Jorge Picciani. Agora, o
constrangimento: Marcelo de Castro não serviu nem para matar mosquito
nem para assegurar o PMDB do Rio, mas se agarra ao cargo como jabuticaba
no pé, até que surja alguém de mais serventia.
Parece ficção, mas tem muito de realidade e vai se repetir dezenas de
vezes no Planalto, transformado ora em feira, ora em bunker, ou num
hotel não muito longe dali, onde funciona o feirão de cargos do
ex-presidente Lula. O fato é que o PP, o PR e os partidos menores, mas
tão gulosos, estão em alta em Brasília. Aliás, o voto é que está em viés
em alta.
Quanto mais o dólar cai, sob a perspectiva de impeachment, mais o preço
dos deputados e senadores do “centrão” e do “centrinho” dispara. É a lei
do mercado: a oferta de votos contra o afastamento de Dilma está menor
do que a demanda do Planalto. Logo, o negócio está o olho da cara. Ou é
falta de vergonha na cara?
O risco é Dilma conseguir barrar o impeachment, mas arrastar um governo
de xepa, com centenas de oportunistas, um ministro qualquer na Saúde
para evitar mortes por dengue e microcefalia por zika, outro no Esporte
passando ao largo da Olimpíada, um terceiro no Turismo quando milhões de
estrangeiros desembarcarem para o maior evento esportivo da face da
Terra. E com um bilhão de telespectadores no mundo mirando os jogos e o
Brasil.
A prioridade de Dilma não é governar, é manter o governo a qualquer
custo. O foco não é restaurar a economia aos cacos, corrigir as contas
públicas, combater as doenças, cuidar de saúde, educação, turismo...
Toda a energia está voltada para um único fim: salvar o mandato, com o
bordão do “golpe”.
Apesar de todas essas evidências, claras como um dia de verão, há ainda
muitas nuvens pairando sobre a sociedade brasileira e o Congresso,
responsável constitucional para decidir se Dilma sai e Michel Temer
entra, ou se tudo fica como está. O PMDB não ajuda muito a dirimir as
dúvidas. Não bastasse um Eduardo Cunha réu no Supremo e um Renan
Calheiros enfrentando sete inquéritos, há o fantasma da divisão interna
que assombra o maior partido do país desde sempre.
Após o rompimento por aclamação (o voto a voto iria materializar a
dissidência), veio o vexame e a humilhação, com Renan respaldando e os
ministros do partido implorando para manter suas boquinhas. Kátia Abreu à
parte – está na Agricultura menos pelo PMDB e mais por Dilma e pela
representatividade no setor –, os outros cinco tremem até Dilma decidir:
uni duni tê, quem fica é... você!
Se Dilma está nas mãos dos mais fisiológicos entre os fisiológicos,
Temer foi solapado por Renan, o que só aumenta a dramaticidade da
novela: se não une nem mesmo o PMDB, como o vice pode acenar com um
“pacto nacional” em torno da transição e do enfrentamento da crise? A
cachorrada se dá bem, mas o País está num mato sem cachorro.
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