por Reinaldo Azevedo Folha de São Paulo
Adoraria estar a travar outro debate com o PT, distante de uma delegacia
de polícia. Sou crítico da turma há muito tempo. Criei o termo
"petralha" quando a legenda estava no poder em Santo André, antes ainda
de Celso Daniel ser assassinado.
Mas nem eu imaginava que os "companheiros" pudessem chegar tão longe na
profissionalização do assalto aos cofres públicos. Eu preferiria estar
aqui a debater com petistas, por exemplo, se precisamos mesmo de uma
Petrobras majoritariamente estatal.
Na minha fantasia, a empresa não é um valhacouto. Ao contrário. É
exemplarmente administrada por burocratas imbuídos da missão de
demonstrar a superioridade gerencial do Estado e de provar quão
falaciosa é a ideia de que é o lucro que conduz à excelência técnica.
Essa Petrobras poderia melhorar o meu combate porque me obrigaria a
enfrentar argumentos difíceis.
Em vez disso, tenho de me haver com vagabundos, desclassificados e
chicaneiros. O maior mal que o PT faz a seus adversários é lhes fornecer
motivos de rejeição tão tristemente mundanos.
O petismo nos impede de debater economia política e nos remete para a
briga de rua. O partido empobrece a retórica. Não me refiro àqueles
discursos pastosos dos que falam para esconder o que pensam. Trato aqui
da retórica virtuosa, que pode alcançar um lugar inédito do pensamento à
medida que é obrigada a se desenvolver para enfrentar a qualidade do
outro.
Se não forem nossos adversários a nos melhorar, quem o fará? Os amigos
tendem, felizmente, a nos conduzir por caminhos docemente viciosos. A
amizade, como o amor de Guimarães Rosa, há de ser um descanso na
loucura. Gostamos das pessoas, às vezes, porque são um pouco tortas, né?
É dos adversários, nas questões de natureza pública, que cobramos a
retidão. É o certo. A sua razão de ser é nos levar a desenvolver armas
retóricas de precisão para atingir com mais eficiência os nossos alvos,
as nossas pretensões. Confessem:
às vezes gostamos de pensar que aqueles que combatemos são um pouco
melhores do que são só para que não nos sintamos também miseráveis.
Olhem a que fomos reduzidos. O artigo assinado pelo ator Wagner Moura, naFolha desta
quarta (30), teve ao menos uma virtude: expôs, até com certa candura, a
moral degenerada de amplos setores da esquerda. O rapaz admite que o PT
se ampara num esquema criminoso, mas considera, com argumentação
jurídica canhestra, que impeachment é golpe.
Segundo o autor, o que está em curso, na verdade, é um surto moralista
dos que não aceitam o resgate da dívida social que o PT teria
empreendido. O corolário da tese do sr. Moura é que só esquerdistas
teriam o direito de combater os roubos do PT.
Repete, agora no terreno do assalto puro e simples, a argumentação de
seguidas gerações de intelectuais de esquerda que se negavam, no século
passado, a reconhecer os crimes do stalinismo porque isso corresponderia
a agredir as ditas esperanças da classe operária, de que o Partido
Comunista seria monopolista.
Eu lhes dedico um trecho do "Ultimatum", de Álvaro de Campos (Fernando
Pessoa), escrito em 1917, no ano da revolução bolchevique: "Passai,
radicais do Pouco, incultos do Avanço, que tendes a ignorância por
coluna da audácia (...) [passai] socialistas a invocar a sua qualidade
de trabalhadores para quererem deixar de trabalhar! Rotineiros da
revolução, passai!"
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