Editorial do Estadão:
Diante da montanha de evidências de que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter se beneficiado
pessoalmente de suas relações com as maiores empreiteiras do país, é
justo esperar que o capo petista venha a público prestar os devidos
esclarecimentos. Afinal, a “viva alma mais honesta deste país” decerto
não teria nenhuma dificuldade para dissipar as suspeitas a respeito de
sua conduta.
Mas Lula decidiu refugiar-se no silêncio. As
únicas manifestações em seu nome partem quase sempre do Instituto Lula,
que instituto não é, pois funciona como assessoria de imprensa e
escritório político do ex-presidente. E essas manifestações, geralmente
furibundas, limitam-se a negar as acusações e a disparar impropérios
contra aqueles que, segundo a tigrada, invejam as conquistas desse
grande homem e o bem que ele fez ao país.
Lula mesmo não fala, e até seus apoiadores,
quando ousam tocar no assunto, na esperança de ouvir dele sua versão dos
fatos e assim orientar-se sobre o que dizer quando questionados,
recebem como resposta resmungos indignados. Em recente reunião do PT,
ele se queixou: “Não aguento mais falar disso”.
Os atos de Lula, porém, valem mais do que mil
palavras. Sem ter como justificar os imensos favores que recebeu das
empreiteiras camaradas, pois qualquer explicação que ele der terá de vir
acompanhada de documentos, ao ex-presidente restaram as chicanas mais
ordinárias. A mais recente foi o ataque ao promotor Cássio Roberto
Conserino, do Ministério Público Estadual, que chamou Lula e sua mulher,
Marisa Letícia, para depor sobre o misterioso triplex do Guarujá
totalmente reformado pela construtora OAS e cuja propriedade se atribui
ao petista. A coisa toda respeitou o bem conhecido padrão de
comportamento do ex-presidente. O nome de Lula, como sempre, não aparece
em nenhum lugar – há sempre uma interposta pessoa a fazer o serviço que
lhe convém. No caso do promotor Conserino, quem fez esse serviço foi o
deputado petista Paulo Teixeira (SP).
Às vésperas do depoimento de Lula e Marisa
Letícia, marcado para o dia 17/2, Teixeira entrou com uma representação
no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) alegando que o
promotor Conserino havia transgredido a Lei Orgânica do Ministério
Público ao supostamente antecipar juízo de valor sobre o caso em
entrevistas à imprensa. Além disso, o deputado argumentou que o processo
deveria ter sido distribuído a um outro promotor, que já cuida de uma
investigação semelhante.
Em caráter liminar, o CNMP aceitou os
argumentos de Teixeira e adiou o depoimento. Foi uma decisão excêntrica,
antes de mais nada porque o deputado Teixeira nem é parte no processo
e, por razões óbvias, não poderia ter ingressado com a representação.
Dias depois, os advogados de Lula protocolaram
requerimento no CNMP em que apoiavam a representação de Teixeira, mas a
liminar acabou derrubada por unanimidade pelo plenário desse órgão, por
sua evidente fragilidade. O imbróglio, no entanto, dá pistas de qual
será a estratégia lulopetista para criar embaraços técnicos ao processo
e, assim, livrar Lula da obrigação de falar. A ideia é questionar a
conduta dos que acusam o ex-presidente, sem enfrentar o mérito das
acusações. Os advogados do petista, por exemplo, já avisaram que também
vão reclamar ao CNMP e ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a
respeito do comportamento dos procuradores do Distrito Federal em
inquérito que apura se Lula cometeu tráfico de influência. É, portanto,
um método.
Enquanto isso, nem a defesa de Lula nem os
petistas que lhe servem de títeres fornecem qualquer explicação concreta
a respeito das caríssimas benfeitorias bancadas pelas empreiteiras
companheiras no apartamento do Guarujá e também no sítio de Atibaia,
aquele para o qual o chefão petista enviou sua mudança quando deixou a
presidência, mas que ele jura que não lhe pertence.
Não será surpresa se, para justificar tanto
mimo da parte de empresas enroladas no Petrolão e o usufruto de imóveis
que não constam de sua declaração de renda, Lula acabe dizendo apenas
que tem bons amigos – e amizades puras como essas, afinal, dispensam a
apresentação de provas à Justiça.
extraídadecolunadeaugustonunesopiniaoveja
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