por Raul Velloso O Globo
Enquanto os estados e municípios geravam um superávit de R$ 10 bilhões, a
União mostrou um inédito déficit fiscal de R$ 117 bilhões em 2015. Foi
uma inflexão chocante no comportamento do governo desde o início da
década de 2000. Depois de muitos anos de superávits polpudos, essa
política foi, aos poucos, abandonada. Brincou com fogo, pois, em 2014,
já sob os efeitos da recessão atual — que ele mesmo criou —, houve um
primeiro déficit, de R$ 20,4 bilhões, e, agora, esse descalabro. Com o
déficit atual, espera-se que, depois de muito tempo sem esse pesadelo, a
dívida pública entre em trajetória explosiva.
Daí à detonação do risco Brasil (que já pulou de 100 para 500 pontos,
enquanto o da Argentina desaba) e à hiperinflação é um passo.
Expectativa ruim quanto ao futuro das contas públicas é a essência da
crise econômica do momento e a herança maldita que fica.
Como reverter tal quadro? Antes é preciso perguntar se os estados, parte
mais frágil nessa estória, aguentam o tranco, antes de a economia e a
arrecadação começarem a se recuperar. Olhando para o conjunto, a
resposta é: haja desafio! A recessão provocou queda no crescimento da
arrecadação. Pelos termos da última renegociação de dívidas, ao redor de
2000, a União pôde obrigar os estados a pagar o serviço dessa dívida,
que é majoritária.
Sem os empréstimos generosos que autorizou em 2013-2014, algo que
depende só dela, e que brecou no início de 2015, os estados foram
forçados a gerar algum superávit, ainda que à custa de jogar muita
despesa para 2016, via “restos a pagar”, e de raspar o tacho das
“receitas extraordinárias”, como o uso dos depósitos decorrentes de
disputas judiciais, algo que só se faz uma vez.
Dona do pedaço, mas em litígio com o Congresso e o TCU e sem ligar muito
para a reação contrária dos mercados, a União deixou seu déficit
explodir, e pôde financiá-lo, ainda que indiretamente, por emissão
monetária, algo pouco percebido. Já aos estados, dentro da camisa de
força apertada que a União lhes havia imposto desde o início da década
de 2000, só restou empurrar o problema com a barriga, sendo inevitável
que déficits elevados se mostrem em 2016, pois é impossível adiar
pagamentos maciçamente em dois anos seguidos.
A União deixou os entes subnacionais na mão em dois contextos. Primeiro,
porque havia um pacto implícito de que ela e eles gerariam,
conjuntamente, um elevado superávit fiscal por muitos anos, sendo de 26%
do esforço de ajuste total a parte de responsabilidade dos estados e
municípios devedores. Só que, em 2015, graças aos erros cometidos e,
obviamente, sem combinar com os entes, a União escancarou o déficit de
R$ 117 bilhões.
E financiou esse déficit sem a emissão de dívida nova juntos aos
mercados. Coube ao Banco Central emitir o dinheiro necessário sacando da
conta única do Tesouro, e tentar agora enxugar uma parte da liquidez
adicional colocando seus próprios papéis no mercado, títulos esses que
pagam a taxa Selic e, na prática, podem ser recomprados diariamente, via
o velho overnight.
Já os estados não têm como gerar dívida nova, nem possuem mais bancos
estaduais para emitir moeda indiretamente. Os mais complicados
financeiramente até conseguem esconder o problema por um ano, mas, sem
acabar a recessão, um déficit total elevado dará as caras em 2016,
redirecionando-se para eles todas as pedras que os mercados jogam hoje
sobre a União, e a ira das partes afetadas: pacientes estressados de
hospitais sem atendimento etc.
Há estados precavidos, como Ceará e Santa Catarina, entre outros poucos,
que conseguem passar ao largo da borrasca. Já em casos dramáticos, como
o do Rio, que o governador Pezão tem discutido aberta e corajosamente, a
situação é muito difícil. Como a grande maioria dos estados, o Rio
gasta muito com pessoal, esse é o “X” da questão. São muitos anos de
política populista nesse setor, diante de corporações de servidores cada
mais poderosas e poderes autônomos descompromissados com a necessária
austeridade fiscal. Nesse sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal não
pegou. Para completar, o Rio depende crucialmente da receita com os
royalties do petróleo para a Previdência dos seus servidores, e de sua
maior contribuinte individual, a Petrobras, ambos em forte derrocada no
momento atual. As propostas de ajuste do gasto e de desvinculação de
receitas que Pezão acaba de entregar à Alerj têm de ser apoiadas.
Diante da inapetência do governo, os governadores podem esperar
passivamente as pedras, enquanto seus déficits elevados mostram as caras
e o caos nos serviços se instale de vez. No Rio, é só passarem as
Olimpíadas. Contudo, sendo hoje o único agrupamento político com
credibilidade para tal, os governadores deveriam capitanear um movimento
pró-ajuste estrutural do gasto junto ao Congresso Nacional, que, se for
aprovado, reverterá as expectativas fortemente desfavoráveis sobre o
Brasil e, assim, recuperará suas receitas pelo caminho natural da
retomada do PIB. Até lá, algum jeito de financiar pelo menos parte de
seus déficits terá de aparecer.
extraídaderota2014blogspot
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