por Maria Alice Setubal Folha de São Paulo
O debate público sobre o papel e a função da educação infantil no Brasil
tem sido marcado por uma falsa dicotomia entre o direito de brincar e o
de aprender. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que, no campo dos
direitos, não há concorrência nem sobreposição, mas complementaridade.
Também é consenso que a educação infantil é uma política poderosa no
enfrentamento das desigualdades. Assegurá-la, com qualidade, a todas as
crianças é uma das principais metas que o país precisa urgentemente
concretizar. A tarefa não é simples e exige um amplo esforço do Estado e
de toda a sociedade.
Há uma vasta literatura sobre o impacto da educação infantil de
qualidade no desenvolvimento integral das crianças. Trataremos aqui da
ampliação do acesso à cultura letrada, essencial para o pleno exercício
da cidadania.
Infelizmente, no Brasil a garantia desse direito ainda é um desafio para
as políticas públicas, mesmo para aqueles que frequentam a escola, como
indica o relatório da ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização),
divulgado em 2015 pelo Inep.
Segundo o documento, apenas 11% dos estudantes do 3º ano do ensino
fundamental estavam no nível 4, o mais alto da escala em leitura. Na
escrita, o desempenho também é pífio: somente um em cada 10 alunos
alcança o nível 5, no topo da escala.
Frente a esse cenário, há quem prefira insistir no eterno debate sobre a
idade ideal para a alfabetização, quando o cerne deveria ser como
assegurar as condições de ensino e aprendizagem para que todos acessem o
mundo das letras.
Agora, com o debate da Base Nacional Comum Curricular, corremos o risco
de desconsiderar a importância da intencionalidade pedagógica na
aprendizagem da linguagem oral e escrita na educação infantil, resultado
da falsa dicotomia entre o direito de brincar e o de aprender.
Por isso, é preciso concentrar nossos esforços para que o documento do
MEC seja aprimorado. As diretrizes nacionais são claras: a educação
infantil é parte integrante da educação básica e tem como finalidade
desenvolver integralmente a criança, assegurando-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania.
Isso não significa transformá-la em uma educação preparatória para o
ensino fundamental, muito menos em uma educação compensatória,
idealizada para superar "supostos deficits" de aprendizagem das crianças
das camadas populares.
Tampouco podemos retroceder, voltar a reproduzir experiências da década
de 1970 de uma educação para o desenvolvimento de habilidades restritas,
como motora e perceptiva. Em pleno século 21, precisamos de reflexão, e
não da mera repetição ou memorização de conteúdos.
Cabe ao Estado criar políticas, estratégias e condições que assegurem
todos os direitos de crianças e adolescentes, independente da origem
social, étnica, do local de moradia ou de seu perfil familiar.
Portanto, precisamos romper com essas polarizações artificiais que
atendem a interesses outros que não o das crianças e o de uma educação
pública de qualidade com equidade.
extraídaderota2014blogspot
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