Editorial do Estadão:
O Supremo Tribunal
Federal (STF) vai analisar uma denúncia feita pela Procuradoria-Geral da
República em 2013 contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL). O
parlamentar é acusado de peculato, uso de documento falso e falsidade
ideológica – tudo isso por conta de um constrangedor escândalo que
envolveu Renan, sua ex-amante e uma empreiteira camarada. Se
o Supremo transformar o senador em réu, o Congresso Nacional, já
suficientemente desmoralizado, se verá na desconfortável situação de ter
os presidentes de suas duas Casas – Renan Calheiros no Senado e Eduardo
Cunha na Câmara – prestando contas à Justiça.
A notícia de que o ministro do STF Luiz Edson
Fachin resolveu dar andamento ao processo tirou o sossego de Renan no
momento em que o senador se julgava a salvo do escândalo do Petrolão –
no qual também está envolvido – graças a seus conchavos com a presidente
Dilma Rousseff, de quem se tornou o principal aliado na expectativa de
ser blindado.
O caso que o STF vai julgar, embora seja
célebre por envolver picantes segredos de alcova do senador, está longe
de ser mero mexerico. Trata-se de exemplo de manifesta desfaçatez não
apenas por parte de Renan, mas também de seus pares no Senado, que
jogaram no chão a reputação da Câmara Alta.
Conforme a denúncia da Procuradoria-Geral, um
lobista da empreiteira Mendes Júnior pagou, entre janeiro de 2004 e
dezembro de 2006, a pensão que Renan devia à jornalista Mônica Veloso,
com quem o senador teve uma filha. O valor mensal era de R$ 16,5 mil,
entregue sempre em dinheiro vivo, segundo a acusação.
O senador obviamente negou tudo e disse que os
recursos saíam do seu próprio bolso, mas teve de se empenhar para
provar que tinha de onde tirar o dinheiro, porque seus vencimentos, na
época, não passavam de R$ 13 mil mensais. Apresentou documentos fiscais e
bancários que, declarou Renan, atestariam que os recursos eram
resultado de investimentos em gado, cuja lucratividade, segundo ele
alegou, chegou a impressionantes 85%. A Polícia Federal e a
Procuradoria-Geral não tiveram muito trabalho para concluir que os
papéis eram falsos.
Além disso, segundo a denúncia, Renan pegou
dinheiro da empresa de um primo que supostamente prestava serviços para
seu gabinete no Senado. O senador alegou que se tratava de “empréstimo” –
que, três anos depois, quando o escândalo veio à tona, ainda não havia
sido quitado. Para a Procuradoria-Geral, tratou-se de desvio da verba
indenizatória, que deveria ser usada apenas para despesas parlamentares,
o que configura peculato.
O escândalo estourou em 2007, quando Renan
presidia o Senado. Ao longo de 100 dias, o senador desdobrou-se em
explicações e justificativas, mas não convenceu o Conselho de Ética da
Casa, que recomendou sua cassação por quebra de decoro. No entanto,
Renan foi salvo em plenário pelos seus colegas – 40 senadores votaram
contra a sua cassação e 6 se abstiveram, numa articulação liderada pelo
governo Lula para ajudar seu caro aliado.
Até o final daquele ano, porém, Renan
enfrentaria mais acusações de corrupção e uma nova ameaça de cassação.
Renunciou à presidência do Senado e, outra vez, escapou de perder o
mandato. Em nota, disse que se tratava de uma “vitória da democracia”.
Já em 2013, quando Renan se preparava para
voltar a presidir o Senado, a Procuradoria-Geral encaminhou a denúncia
que agora o Supremo vai analisar. Na ocasião, o senador disse que o
processo “possui natureza nitidamente política”.
Se o Supremo levar o processo adiante, Renan
terá de se defender sozinho, pois no tribunal não poderá contar com o
tradicional obséquio da bancada governista, que já o salvou tantas
vezes, ao arrepio dos mais comezinhos princípios éticos. Caso finalmente
o principal aliado da presidente Dilma seja punido, será grande o
prejuízo para um governo já sem rumo e sem liderança. Mas a condenação,
se vier, certamente restituirá um pouco de decência a um Congresso hoje
presidido por políticos que, em detrimento dos interesses do país, só
pensam em maneiras de se safar.
extraidadecolunadeaugustonunes
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