por Roberto Macedo
FOTO ANDRADE JUNIOR
No último dia 8 o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, reunido com 24 dos 27 presidentes dos Tribunais de Justiça (TJs) dos Estados, defendeu o reajuste de 16,4% dos salários dos membros dessa Corte, no dia anterior aprovado em outro mau momento do Senado. Aliás, o Congresso Nacional comporta-se mais como antinacional, tamanho o seu desprezo pelas dificuldades econômico-financeiras que o governo e o povo do Brasil enfrentam. Não seria surpresa se usasse o que aprovou para depois “justificar” a ampliação dos ganhos de seus parlamentares.
Toffoli foi muito aplaudido pelos presidentes dos TJs, que como os demais juízes estaduais também terão reajuste, pelo efeito em cascata do aprovado para os do STF. Toffoli falou da “nossa felicidade” e agradeceu aos presentes, afirmando que também “envidaram esforços junto ao Congresso Nacional no sentido de deixar claro o quão justa e correta era essa revisão”. Assim, houve lobby em cima de parlamentares, vários deles fragilizados no diálogo, pois que envolvidos em processos sub judice. Uma verdadeira festa corporativista essa reunião! E o País? Longe da cabeça desses juízes.
Essa revisão salarial não é justa, nem correta, como disse Toffoli. Dado que o ajuste é destinado a alguns dos mais bem aquinhoados brasileiros em termos de renda, que justiça é essa que ignora a população brasileira passando por enormes sacrifícios, com milhões sofrendo com o desemprego, implicando uma queda salarial de 100%? Esse desemprego está ligado ao mau desempenho da economia, no qual pesa muito o péssimo estado das contas públicas, que o reajuste agravaria. É o alto escalão do Estado se comportando como inimigo da Nação!
Nos Estados e municípios há tempos quase não há reajustes salariais e alguns até atrasam pagamentos. O governo federal, noutro erro, andou dando reajustes a outras categorias suas, praticando também injustiça, pois só faz isso cortando serviços que deveria prestar, ou se endividando ainda mais. Na mesma reunião, Toffoli falou também que se tratava “apenas” de recomposição de perdas salariais, mas, vale insistir, quem está conseguindo essa recomposição no País como um todo? Só uma minoria e, no governo, de privilegiados.
Quem paga a conta é o povo. A propósito, vale lembrar o que disse a ex-presidente do STF ministra Cármen Lúcia, que enquanto esteve nessa posição se opôs ao reajuste: “Fui contra devido ao momento do Brasil. Grave do ponto de vista econômico e fiscal, (...) com uma sociedade que está penando muito (...), com mais de 13 milhões de desempregados. (...) se o sacrifício é de todo mundo, tem de ser nosso também.”
Sendo injusto, o reajuste tampouco é correto, e não o é também por outras razões. Entre elas, não vale o que Toffoli alegou em agosto: “Não se está encaminhando para o Congresso um acréscimo no orçamento do Supremo, não se está tirando dinheiro da saúde, educação, se está tirando das nossas despesas correntes, dos nossos custeios”. Ora, se é possível tirar dinheiro dessas despesas, é porque são irrelevantes e já deveriam ter sido cortadas, com repasse do montante ao Executivo, carente crônico de recursos, como para educação e saúde. E a conta do reajuste para os Estados em dificuldades, como fica?
Passando a questões de consciência, as leis e o Poder Judiciário, em tese o guardião delas, são como um aparato político que substituiu as religiões, que estabeleciam regras de comportamento pessoal e social e até mesmo impunham penitências ou penas por pecados cometidos contra essas regras, nos mais graves apontando o caminho do inferno, como no catolicismo. Mas as religiões sempre se pautaram por parâmetros morais e éticos, neste caso numa avaliação em termos do bem comum. Esses parâmetros também deveriam aplicar-se à Justiça, mas nesse caso foram ignorados.
Como fica? A situação desmente Sua Excelência Tiririca, quando afirmou que “pior que está não fica.” Pois pioraria o estado das contas públicas, ingrediente importante da crise que atravessamos. Mas, como dizem os chineses, crises também oferecem oportunidades.
Uma imensa está diante do presidente Temer. Também com seu contencioso judicial, enfraqueceu-se politicamente, o que o impediu, entre outras medidas, de levar adiante uma reforma da Previdência, que seria a marca mais importante do seu mandato. Um balanço do que fez não o deixa bem na História. Mas se redimiria bastante se vetasse esse abominável reajuste. E num dos últimos momentos do seu governo, que costumam ser os mais lembrados, ou seja, pelo que é feito na saída.
O veto é claramente defensável. Para vetar predominam os argumentos jurídicos. E este jornal mostrou, no seu principal editorial do último dia 11, que o reajuste é inconstitucional. Textualmente: “O art. 169 da Constituição estabelece que ‘a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar’. E o § 1.º do mesmo artigo assegura que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração pelos órgãos da administração direta ou indireta só poderá ser feita se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, e se houver autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (...). A de 2019 não contém nenhuma autorização para o aumento do subsídio dos ministros do STF”.
O editorial acrescenta que o parecer do relator do projeto no Senado também não comprova que o aumento respeita o teto de gastos da Ementa Constitucional 95/2016. Esse texto teve grande repercussão nas redes sociais, com 7,9 mil compartilhamentos.
Veta, Temer! É a hora e a vez de marcar sua história com um gesto de grandeza.
*ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
O Estado de São Paulo
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