por Fabio Giambiagi
Em dezembro de 2017, antes da “janela” que fez com que muitos
parlamentares mudassem de partido até o começo de abril, a Câmara dos
Deputados — que, cabe lembrar, tem 513 membros, o que significa que o
quorum constitucional para aprovar uma emenda com 60 % de apoio é de 308
votos — mostrava o seguinte quadro:
— 25 partidos com representação;
— Dois partidos “muito grandes”, com 50 deputados ou mais (PMDB e PT);
— Cinco partidos grandes e oito partidos médios, se definirmos partidos
“grandes” como tendo de 30 a 49 deputados e “médios” como tendo de dez a
29 deputados;
— Dez partidos com menos de dez deputados.
Na ocasião, concluía-se também que:
— para ter no mínimo 308 votos e assumindo que todos os deputados de um
partido votassem da mesma forma, era necessário construir uma coalizão
entre sete partidos;
— levando em conta que entre os maiores partidos estavam alguns que se
encontravam na oposição, ao não considerar estes e passar a incluir
partidos menores, a montagem de uma coalizão com 308 votos na Câmara
requeria a presença de dez partidos.
A percepção de que as coisas iriam mudar para melhor em 2019, exposta em
algumas análises otimistas na época, se alicerçava em três premissas. A
primeira, de que o Congresso sofreria uma grande renovação, com mudança
de práticas por parte dos novos eleitos. A segunda, de que a cláusula
de barreira reduziria o número de partidos. E a terceira, que o novo
governo teria como primeira e inadiável tarefa a missão de aprovar uma
reforma política que daria uma nova racionalidade ao jogo das alianças.
Vejamos cada um desses pontos mais de perto.
A primeira premissa era bastante ingênua. Embora a maioria das pessoas
estivesse insatisfeita com o quadro exibido pela nossa política,
dificilmente haveria grande renovação na prática, porque:
a) trocar um parlamentar X que não se eleja por um parlamentar Y eleito com as mesmas características não muda tal quadro;
b) o Congresso aprovou regras de distribuição dos recursos do Fundo
Partidário que, na prática, deram um poder enorme aos partidos da
chamada “velha política”.
Em relação à premissa sobre a cláusula de barreira, havia um equívoco de
percepção. Embora todos critiquem — com razão — o número de partidos e
embora seja verdade que vários deles são muito pequenos, deixar de ter
vários partidos com um, dois ou três parlamentares não vai mudar nada a
complexidade antes explicada. Isto porque, mesmo que com a cláusula não
houvesse mais “nanicos”, como os originalmente maiores — PMDB, PT e PSDB
— teriam dificuldades em preservar seu tamanho, era previsível que
haveria um crescimento dos grandes e médios. Resultado: conseguir 308
apoios para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional continuaria a
exigir em torno de dez partidos, com um coeficiente médio da ordem de 30
congressistas por partido.
O que nos leva à terceira premissa. Ao contrário do tema da reforma
previdenciária, mais ou menos mapeado entre os especialistas e com algum
grau de consenso técnico acerca do que deve ser feito, no caso da
reforma política, isso está longe de estar claro. Trata-se de algo com
que todos concordam no geral e discordam no particular. O financiamento
empresarial deve voltar? O voto deve ser como o atual, distrital ou
misto? O regime deve ser parlamentarista ou presidencialista? Pode haver
reeleição? O mandato deve ser de quatro ou cinco anos? Quando se
esmiúça a pauta, há uma gama diversa de posições que dificultam muito os
avanços na direção de algum consenso. O governante que pretender
colocar na mesa uma proposta de reforma política para só depois
organizar o esquema de apoio às reformas econômicas corre o risco de
ficar quatro anos sem aprovar nada.
Em resumo, o país está diante do desafio de montar uma coalizão
reformista que garanta 308 votos para aprovar uma emenda constitucional.
Será preciso ter votos de parlamentares de pelo menos 12 partidos. A
coordenação do processo exigirá a habilidade de um regente de orquestra.
É um desafio imenso.
O Globo
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