por Catarina Rochamonte.
Quando a escola oferece uma visão de mundo completa e acabada e a impõe como se fosse um credo, quando quer fazer valer na mente do jovem determinadas concepções que se contrapõem fortemente aos valores morais de seus próprios pais, então escola e professores assumem um papel político-partidário revolucionário e não formador.
O Estado brasileiro tem se imiscuído até as entranhas na sociedade civil, sendo, portanto, legítimo que reivindiquemos uma pauta de desestatização e desideologização. Uma vez que a liberdade de pensamento tem sido alijada pelo confronto de indivíduos com uma determinada ideologia que, no caso em questão, é uma ideologia coletivista que traz na sua essência a corrupção do desejo inato de liberdade, parece saudável que se abra amplo debate sobre a extensão dessa tutelagem nos domínios escolares. Por considerarmos que combater a doutrinação nas escolas não é cercear a liberdade, mas favorecê-la levamos a sério a iniciativa do projeto de lei Escola sem Partido e nos propomos agora a discuti-lo.
Seria difícil selecionarmos, a título de ilustração, materiais que comprovem a existência de doutrinação, já que são centenas, ou melhor, milhares de aberrações fotografadas, filmadas e documentadas. O sujeito que fala em “suposta doutrinação” é obviamente alguém que concorda com a visão de mundo imposta e que acha não apenas legítimo, mas também absolutamente necessário que se avance nessas pautas, nessas agendas ideológicas, e que não dá a mínima para o direito de resistência dos pais em relação ao aliciamento a que submetem os filhos alheios.
O modus operandi preferido da esquerda tem sido a desqualificação dos seus adversários por meio da manipulação da linguagem e, no caso em pauta, não é diferente. Os professores militantes que buscam desqualificar o projeto apelidaram-no de Lei da Mordaça, como se se tratasse aí de calar a dissidência e a crítica, impossibilitando o pluralismo de ideias, quando se trata exatamente do oposto disso. Como explica o advogado Miguel Nagib, em palestra cujos pontos principais passamos agora a expor, o Escola sem Partido não quer proibir o debate, mas incentivar um debate qualificado, pautado pela honestidade intelectual.
Para espanto daqueles que já militam fervorosamente contra o referido programa sem terem buscado outras informações além das bravatas ditadas pelos seus professores politicamente engajados em lhes corromper o bom senso, o projeto nada mais é do que uma proposta que visa a informar o aluno, por meio da afixação de um cartaz, de restrições às práticas consideradas abusivas na atividade docente, sendo que tais restrições nem mesmo estão sendo impostas pelo projeto, pois já existem na constituição.
De fato, os princípios constitucionais da neutralidade política e ideológica do Estado, da laicidade, da liberdade de crença e de consciência e do pluralismo de ideias asseguram-nos que a máquina do Estado, seu pessoal e suas instalações não podem estar a serviço de um determinado partido ou de uma determinada corrente que disputa o poder na sociedade”.
Embora os detratores desse projeto de lei costumem se utilizar da bandeira do Estado laico para contrariar o interesse dos pais que resistem à imposição da agenda ideológica progressista aos seus filhos, precisamos ser claros e contundentes em afirmar que são eles que estão a ferir a laicidade do Estado com a sua sanha em incutir seus desvalores e seu imoralismo às crianças na mais tenra idade, sob o subterfúgio de uma educação sexual ou de uma educação para a diversidade.
Não serei tautológica aqui a ponto de elencar todas as situações aberrantes que se disfarçam sob o pretexto de educar para a diversidade sexual, bastando para isso que se tenha os olhos abertos para o que acontece não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. O que importa para o contexto deste artigo é tornar claro que, se o Estado não pode adotar uma ideologia oficial, não podemos aceitar a imposição da agenda sexual progressista muito bem indicada pela conhecida expressão “ideologia de gênero”.
Dizer que o gênero é uma construção social e que não há que se fazer distinções básicas entre meninos e meninas na educação infantil, a fim de não interferir nas suas futuras escolhas de gênero, é justamente interferir na formação sadia dessas crianças, que estão hoje sujeitas ao desvario de educadores lobotomizados por um sistema que, já os tendo doutrinado para que acreditassem na necessidade de doutrinarem, entra agora em fase mais radical e perversa de desconstrução de valores através da banalização da sexualidade e da erotização infantil.
Como bem explica Miguel Nagib, convém notar que o Estado obriga os pais a mandarem seus filhos para a escola e que há pais – provavelmente a maioria – que discordam da necessidade de professores tratarem de questões de gênero e sexualidade com suas crianças. O que está em jogo, portanto, não é o cerceamento do direito à liberdade de orientação sexual de ninguém, mas o direito dos pais de educarem seus filhos conforme seus próprios valores morais e não conforme uma agenda ideológica progressista, revolucionária e transgressora.
A imposição, por parte do poder do Estado, de uma agenda ideológica hostil à moral cristã fere tanto o princípio de laicidade do Estado quanto “o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja em acordo com suas convicções.” Ora, de que outra forma esse direito dos pais pode ser preservado senão com a devida limitação dos direitos dos professores sobre seus filhos? De que outra forma senão com o cumprimento do primeiro item do cartaz do Escola Sem Partido, onde se lê como primeiro dever do professor que ele “não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias”?
Decerto que não tratamos aqui de uma problemática de fácil solução, pois assim como não interessa à formação humana a imposição, na educação, de determinadas ideologias, não se pode também reivindicar a tutela absoluta dos pais sobre seus filhos sem ferir com isso o direito do jovem de aprender para além do universo teórico e moral de seus pais. O problema parece ser de tal sutileza que só poderia ser bem equacionado por meio do bom senso e da boa vontade, coisa que costuma faltar sempre que se exacerbam as paixões ideológicas.
Convém, de todo modo, assumir os riscos e travar o debate, pois se é bem verdade que o jovem tem direito ao acesso mais amplo possível à informação e que não nos convém subestimar sua capacidade de, por si mesmo, defender-se da manipulação psicológica que se lhes quer impor por meio da modificação dos seus valores, atitudes e comportamentos, o mesmo não ocorre com a criança na primeira infância. A criança pequena não tem nada além da tutela dos adultos e sua curiosidade inocente. O abuso do poder do professor sobre essa estrutura psicológica infantil, que ainda não se constituiu como um sujeito livre capaz de tomar decisões conscientes, é algo contra o que qualquer pessoa sensata deve lutar.
Tentar sugerir a uma criança de três, cinco, sete anos que cabe a ela decidir sobre opção sexual ou gênero é de uma irresponsabilidade sem tamanho. É um verdadeiro abuso e uma grande covardia querer incutir nessas mentes inocentes as concepções de mundo de professores moralmente, psicologicamente e sexualmente confusos. O que as crianças precisam é de uma educação mais livre, mais nobre, mais alta em teor moral e intelectual e o mais distante possível das histerias coletivas que por vezes acometem as sociedades que julgam progredir quando tentam transmitir os seus delírios às novas gerações.
* Graduada em Filosofia pela UECE (Universidade Estadual do Ceará), mestre em Filosofia pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), doutoranda em Filosofia pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos); é escritora e jornalista independente.
** Publicado originalmente em https://www.institutoliberal.org.br
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