por Merval Pereira
É o que o Bolsonaro pensa e o que defendeu na campanha presidencial. Assim como a indicação do chanceler do Itamaraty, que ele escolheu dentro da carreira, mas não entre embaixadores seniores, como era a expectativa. Escolheu um jovem embaixador, recentemente promovido, que pensa como ele. As duas nomeações foram indicadas pelo filósofo Olavo de Carvalho, que é o pensador desse grupo. A preocupação é que, sendo o estado laico, a bancada evangélica tenha tido poder não apenas para vetar, mas de indicar o novo ministro. Não é admissível que uma tendência religiosa interfira nos ensinamentos das escolas brasileiras.
Não surpreende ninguém, Bolsonaro foi eleito porque pensa assim, porque disse as coisas que disse durante a campanha. Pode-se discordar dessa linha, muita gente votou no Bolsonaro por causa disso, muita gente votou no Bolsonaro apesar disso, achando que a volta do PT seria pior. Muita gente votou no Haddad para evitar o Bolsonaro e o que ele pensa, mesmo sem ser petista.
Mas a grande maioria do eleitorado que elegeu Bolsonaro, tenho a impressão, concorda com ele, e comunga dessas idéias. Não há, portanto, estelionato eleitoral, é um fato anunciado. O que vamos ver agora é como as decisões de governo vão se dar.
Se acontecer na educação o mesmo aparelhamento colocado em prática nos governos petistas, com o sinal trocado, levando o sistema educacional a uma direção ideológica de direita, em detrimento dos aspectos técnicos que necessitam ser atacados para que a educação brasileira deixe de ser tão ruim quanto é, o governo Bolsonaro será criticado, assim como os governos petistas foram.
O novo ministro da educação defende em uma postagem do facebook que existam comissões em salas de aulas em universidades e escolas públicas para ver se as boas normas estão sendo cumpridas, ou coisa semelhante. O PT tentou fazer comitês em tudo quanto foi lugar, e nunca conseguiu porque a reação da opinião pública foi muito forte.
Tentou fazer comitês populares para a distribuição do Bolsa Família, ou comitês nos órgãos de imprensa a pretexto de um “controle social da mídia”, que continuou no seu programa de governo na recente campanha presidencial. Essas iniciativas foram vetadas, quando apresentadas ao Congresso, e a maioria nem foi apresentada, depois que os balões de ensaio foram rejeitados pela opinião pública.
Nesse caso da educação no governo Bolsonaro vai ser a mesma coisa. Fazer comissões dentro de salas de aula para investigar posturas de professores e alunos é um absurdo, inaceitável, e certamente a idéia será barrada não apenas pela opinião pública que, mesmo minoritária se for o caso, tem capacidade de obstruir medidas abusivas, como também por reação dos professores e alunos.
Assim como o chanceler Ernesto Araujo terá que enfrentar questões práticas para levar adiante seus pensamentos sobre política exterior, como a reação dos países árabes à transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, ou os incômodos causados pelas críticas à China, nosso maior parceiro no comércio internacional.
É mais importante melhorar a performance dos alunos no teste internacional Pisa, onde nossa colocação em matemática, português e ciências é vergonhosa em comparação com outros países em estágio semelhante ao nosso, e às vezes inferior, do que instituir o programa Escola sem Partido.
Essa disputa ideológica dentro das universidades e escolas públicas tem que ser resolvida na discussão normal de idéias, e caberá ao governo proporcionar um ambiente plural para tanto. O que não acontece hoje, com a ideologia esquerdista que não abre espaços para outros pensamentos.
As provas do Enem, por exemplo, serão completamente diferentes das que são feitas nos últimos 13 anos, e o que será analisada é a qualidade da prova, se há intenções políticas atrás de certas perguntas. Os métodos adotados têm que levar em conta sempre a liberdade de pensamento, a liberdade de expressão.
Até o ponto em que o governo não interfira nos direitos individuais dos cidadãos, alunos e professores, de se informar e pensar por conta própria. O que conta, no fim das contas, é a melhoria da qualidade do ensino.
O Globo
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