por José Nêumanne
Em 2013, a classe média deixou sua condição de maioria silenciosa para berrar nas ruas, reclamando do tratamento absurdo ao qual era relegada, pagando impostos escorchantes e recebendo serviços públicos indigentes. Era uma algaravia danada, mas, no meio dela, o principal alvo das queixas, a chefa do governo federal, Dilma Vana Rousseff, do PT, saiu-se com o truque de se fazer de besta, besteira que ela sempre exercitou com rara maestria, já que nunca soube mais do que o que demonstra. E vendeu um programa estapafúrdio de cinco pactos, que não passava de prática científica da ensalivação, como definia papo furado o saudoso educador Zeferino Vaz, que, ao contrário dela, tanta falta nos faz. No meio de promessas nunca cumpridas, ela apareceu com uma que lhe serviu de muleta para corrigir seus passos mancos: a contratação de médicos cubanos para socorrer populações desassistidas dos ermos do interiorzão nacional.
A ideia era engenhosa – e agora se viu que não era nem nunca foi dela ou dos estafermos que a ajudavam a desgovernar o Brasil. Cuba, cuja medicina é cantada em prosa e verso pelos comunistas que não moram lá e também por isso sobrevivem bem (à exceção do compadre bolivariano Hugo Chávez, que morreu numa UTI cubana), mandaria médicos e nosso generoso governo lhes pagaria os salários pelo trabalho. A eles, uma ova! A parte do leão seria destinada aos cofres (ou para baixo dos colchões da elite castrista, habituada ao luxo e ao furto) da pátria o muerte. Enquanto os profissionais importados juntavam quireras, mais do que suficientes para remunerar quem estava acostumado a um regime de hambre y dolor. Acredite quem quiser, mas o certo é que a patranha colou como catarro em parede. Não faltaram diplomados na Faculdade de Medicina da ilha dispostos a abraçar a causa socialista de cá, com o atendimento dos profissionais da saúde de cá sendo acusados de se recusarem a deixar os hospitais bem equipados dos grandes centros metropolitanos para curar doenças do subdesenvolvimento nos grotões caboclos. A garantia de que não fugiriam - como fazem quase todos os que conseguem deixar o paraíso de sol, mar, desabastecimento e apagões, quando têm emprego digno e um mínimo de conforto e liberdade de ir e vir, possíveis fora do lar, amargo lar – foi manter a família proibida de chiar e, sobretudo, emigrar.
Brasileiros que poderiam ocupar seus lugares foram acusados de malvados e desumanos, incapazes de assumir empregos públicos bem remunerados, pois para isso teriam de enfrentar as condições hostis dos postos avançados em selva, sertão e cerrado. Por isso aos cubanos não se exigia sequer a revalidação do diploma em faculdades locais, obrigação sem a qual o exercício da medicina se torna mero curandeirismo.
A “presidenta” inaugurou o programa dado como benemérito em 2013 e, em 2014, gastou a “baba” de R$ 800 milhões para se reeleger num pleito apertado, sob a égide dos marqueteiros baianos Mônica Moura e João Patinhas Santana. Os tucanos derrotados na eleição foram ao Tribunal Superior Eleitoral reclamar do estelionato, mas saíram tosqueados do julgamento. Para o relator, Herman Benjamin, a absolvição foi obtida pelos vencedores por “excesso de provas”. Mas o presidente à época, Gilmar Mendes, bateu o martelo, após Dilma ter sido apeada da Presidência da República por obra e mercê de seus maus bofes no trato com o Congresso Nacional, em especial com o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. O chefe do governo, vice que ascendeu ao posto, Michel Temer, anfitrião de muitos ágapes para os quais era convidado o citado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), não teve interrompido seu curto mandato. E a ex-presidenta foi premiada com o consolo de não precisar passar oito anos sem ocupar cargo público, incluído o de “merendeira de escola”. Ela foi alvo de um misto de generosidade e cinismo do “trio ternurinha” formado pelos senadores Renan Calheiros e Kátia Abreu e pelo presidente da sessão, outro ministro do STF, ora vejam só, Ricardo Lewandowski. Com a aprovação da maioria dos senadores em sessão, os citados cavalheiros e dama em questão rasuraram a Constituição da República, como se não passasse de uma prova em grupo escolar.
É possível argumentar, e seria injusto negar, que, pelo menos nesse caso, o estelionato não seria da beneficiária, mas dos beneméritos, imunes à lei pelo foro de prerrogativa de função que assiste aos membros do Senado e do Supremo (e seus esses silvados de serpentes venenosas). No entanto, ela pagou de forma grotesca pelo pecado de ter sido beneficiada, na eleição de outubro passado. Com o salvo-conduto do Congresso, matriculou-se na disputa de uma das duas cadeiras do Senado, não no Estado em que militou no PDT e no PT, o Rio Grande do Sul, nem no Ceará, onde Cid Gomes ofereceu ao patrão Lula a outra vaga a ser disputada, mas, sim, no Estado natal, Minas Gerais. Dilma, cujas sinapses são trôpegas até na modalidade memórias, como demonstrou ao se lembrar do pai levando-a ao estádio do Mineirão que não ainda tinha sido construído, foi punida de forma exemplar pelo eleitor conterrâneo. Num procedimento vingativo e cruel, a maior parte dos mineiros disse aos pesquisadores dos institutos de opinião que votaria nela, dando-lhe um consagrador primeiro lugar. Nas urnas, contudo, reservaram-lhe o quarto, por falta de quinto.
Mas será o vexame eleitoral suficiente para puni-la? Há controvérsias. Enquanto curte a fossa da derrota, que parece ter misturado de vez seus escassos neurônios, madama tatibitate (ou seria tatibitata, no dilmês em que é especialista o colega Celso Arnaldo de Araújo?), levou uma canelada espetacular: documentos mantidos em sigilo na Embaixada do Brasil em Havana vieram à tona e a deixaram sem pai, mãe nem padim.
Eles revelaram, primeiramente, que a exportação (foi mesmo um negócio) dos médicos cubanos foi oferecida pelo governo “muy amigo”, e não negociada pela comadre para socorrer os pobres aflitos dos grotões tupiniquins. O mero negócio foi estudado, assim como o tinha sido o financiamento pelo brasileiro BNDES da construção do porto de Mariel. Um negócio de R$ 7 bilhões desenhado, descrito e proposto pelos tiranos boçais sob o comando de Fidel e seu hermanito Raúl. O “engana-trouxa” não ficou nisso. Havia também a tentativa de desqualificar a classe médica brasileira, que, na versão dilmesca, se negara a cumprir seu dever na própria Pátria amada. E uma vez mais, Cuba propiciou a descoberta.
Acontece que, diante da perspectiva de ter o negócio devassado pelo futuro governo de Jair Bolsonaro, aquele país logo tratou de desfazer o trato unilateralmente, sem cumprir prazos de abandono do povo, ao qual tão caridosamente servia. Sem que o governo agonizante de Temer sequer esboçasse um protesto pela evidente falseta dos antigos (e apressadinhos) parceiros. Enquanto isso, os médicos brasileiros, que se queixavam de nem sequer terem acesso ao programa de computador do recrutamento, trataram de ocupar as vagas em lugares ermos, mas com ganhos apetecíveis.
Não pense, contudo, o preclaro e incauto leitor que madama “estoca-vento” se deu por achada, pilhada e flagrada. Enquanto sua versão absurda ruía sob os próprios pés de barro, ela convocava argentinos de um encontro do gênero velório de compadritoscontinentais derrotados nas urnas a se uniram ao diabo e à esquerda brasileira para derrubar o governo eleito na forma da Constituição e da legislação eleitoral. É mais um estelionato, certo? Desta vez, inequivocamente dela. Já passou da hora de o governo brasileiro parar de gastar dinheiro público com essas caravanas de Marocas maldizendo o povo que a elegeu duas vezes para o cargo de crooner da orquestra de rumba “merendeiras de Cuba”, na qual Manuela d’Ávila executa maracas e Pepe Mujica aquele urro de agonia na pausa musical.
O juiz federal Valisney de Souza Oliveira incluiu-a como ré (feminino de réu e também marcha atrás) no processo do “Quadrilhão do PT”, ao lado do padim dos padins Lula, Palocci, Mantega e do onipresente João Vaccari Neto, sócios de uma aventura de estelionatos na qual somos todos desventurados. A grande questão, formulada por quem paga as contas dos desmandos de Dilma e seus boinas rubras no desgoverno ou nesse seu diabólico e desenxabido turismo das maldições, fica sendo ainda: quem é que vai parar de bater palmas para essa doida dançar?
- Jornalista, poeta e escritor
O Estado de São Paulo
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