Como você
já deve ter sacado, nenhum ser humano é capaz de lidar com tanta
informação, ainda mais se considerarmos que desde 1988 cerca de 96%
destas regras já sofreram alguma alteração. Na ponta do lápis, entender e
buscar estar por dentro das regras custa às empresas brasileiras
aproximadamente R$ 60 bilhões por ano, ou duas vezes o custo do
Bolsa-Família.
Na
prática, temos uma regra valendo no país para cada 41 cidadãos, ou
aproximadamente 5,4 milhões delas, e boa parte compartilha uma mesma
função: proibir.
Desde as
mais esdrúxulas – e por isso mesmo famosas -, como a proibição de
colocar saleiros em cima da mesa de bares e restaurantes em determinados
locais do país, até outras pouco conhecidas, as proibições cumprem um
papel importante – ao menos na visão do governo – e garantem uma
certeza: por aqui, é praticamente certo que ninguém cumpre 100% das
regras.
Nem mesmo
nossas 1.240 faculdades de direito – um número que supera com folga o
resto do planeta somado (um total de 1.100 faculdades) – seriam capazes
de produzir advogados o suficiente para defender cada brasileiro que
alguma vez na vida já infringiu qualquer uma destas regulações.
Nada disso
deveria ser uma surpresa, já que, como o estado da nossa saúde e
educação públicas evidenciam, um governo que estabelece para si mesmo a
missão de regular tudo a todo instante acaba agindo mal justamente no
que deveria ser prioridade.
Como
resultado, boa parte das nossas leis e proibições acabam caducando por
pura incompatibilidade com o cotidiano dos brasileiros. Ainda assim, há
algo de útil nessa história (ao contrário de boa parte destas regras),
que você poderá perceber na lista abaixo, que inclui algumas das
regulações mais absurdas. A criatividade e a falta de foco de nossos
parlamentares parece não ter limite, ao contrário do desejo de
efetivamente mandarem no seu dia a dia. Por isso mesmo, pegue a pipoca e
aproveite, a sessão é comédia pura:
1. É proibido construir uma abertura entre a cozinha e a sala da sua casa, exceto se for uma moradia popular.
Em um país
tão acostumado às reviravoltas e incertezas da economia, o que poderia
ser apenas reflexo de sucesso profissional torna-se quase místico. Ter
uma casa em seu nome, por exemplo, é praticamente um seguro para tempos
difíceis.
Para
inúmeros brasileiros, porém, a distância entre ter uma casa própria e
garantir que ela trará segurança de fato esbarra em detalhes pouco
compreensíveis para uma parcela da população. Na prática, cerca de 14
milhões de famílias vivem sem título de propriedade de seu imóvel, ou
seja, de maneira irregular.
A cargo
das prefeituras espalhadas pelo país, a regularização fundiária é um
tema espinhoso, sujeito a regulamentações distintas em cada cidade. Para
algumas delas, a ausência de recuo lateral em determinada medida já
basta para impedir que a moradia ganhe o chamado “habite-se”. Em outras,
ainda mais exigentes, a mera diferença entre a largura de um ralo no
banheiro e aquilo que é determinado pelo código de obras do município
pode ser o suficiente.
No caso da
prefeitura de Manaus, as exigências avançam ainda mais, chegando a
determinar até mesmo a maneira como a cozinha da casa deve ser
posicionada em relação à sala. Segundo a prefeitura e seu código, a
abertura entre a cozinha e uma sala somente poderá ocorrer caso trate-se
de uma sala de jantar, como descrito abaixo:
- 3º – É proibida a abertura de cozinha diretamente para a sala, salvo quando se tratar de sala de jantar, independente, ou nos casos de habitações populares.
2. O Congresso Nacional já votou que é proibido vender maços de cigarros com mais ou menos de 20 unidades.
Considerado
o país mais barato da América Latina para consumir cigarros, os
chilenos tinham uma pretensão: importar cigarros brasileiros em maços de
16 unidades, algo não existente no país.
Tendo
recorrido à indústria brasileira, que já foi considerada a maior
exportadora mundial de tabaco e atualmente gera empregos a 180 mil
famílias ligadas à produção de fumo no Brasil, a questão poderia ser
resolvida da forma mais simples possível, com um lado querendo comprar
um produto legalizado e outro querendo vender. Poderia, exceto se a
questão não tivesse ido parar no Congresso Nacional.
Em votação
realizada em 3 de outubro deste ano, o Congresso bateu o martelo: Não,
maços de cigarro não podem ter mais ou menos do que 20 unidades de
cigarro.
O resultado, no que depender dos nossos parlamentares, será a importação de cigarros chineses pelos chilenos.
3. O bar que foi proibido de colocar mesas e cadeiras nas calçadas.
Prefeito
novo, regras novas. O que poderia ser um retrato da tragédia da
descontinuidade de gestões espalhadas pelo país acabou virando uma piada
para alguns donos de bar em Caxias do Sul.
Por lá,
bares que há décadas funcionavam do modo mais tradicional possível, com
suas mesas e cadeiras na rua para servir os clientes, se viram
surpreendidos por uma fiscalização que acabou por desenterrar uma
legislação criada em 1992, vedando a prática.
De maneira
bem humorada, os comerciantes decidiram inovar colocando caminhões
estacionados na frente do bar e as mesas nas caçambas dos caminhões,
afinal, não há lei que proíba caminhões de estacionarem em frente a
bares e muito menos uma que proíba beber na caçamba de um caminhão.
4. Atravessar fora da faixa pode render uma multa.
Ao
contrário do que parece, o código de trânsito brasileiro (CTB) não se
restringe apenas aos veículos automotores, mas também aos pedestres.
Segundo a regulamentação, atravessar uma rua ou avenida fora da faixa
implicaria risco não apenas ao próprio cidadão, mas ao trânsito em si.
Casos como
este, previstos no artigo 254 do CTB como infração leve (e portanto
sujeito a uma multa de R$ 26,50), evidenciam parte do absurdo das
legislações brasileiras de um modo geral: prever tudo e determinar
punição para qualquer ato, ainda que a fiscalização torne-se impossível.
5. É proibido importar um carro usado.
Que os
carros brasileiros estão entre os mais caros do mundo – a ponto de a
revista americana Forbes afirmar que apenas rodas folheadas a ouro
justificariam tal preço – não chega a ser uma novidade. O curioso neste
caso é que o acesso a veículos mais baratos, ainda que usados, é vedado
pela legislação brasileira.
Definido
por meio de uma portaria do antigo DECEX – o Departamento de Comércio
Exterior do Ministério da Fazenda, atualmente uma secretaria -, a norma é
bastante clara. No entanto, ao contrário de inúmeras outras legislações
brasileiras, não se preocupa em definir ponto a ponto suas
especificações.
Segundo a
portaria, importar veículos usados é ilegal. Não há, porém, qualquer
definição do que seja um veículo usado, exceto para os casos de veículos
de coleção com mais de 30 anos. Um veículo que tenha poucos quilômetros
rodados poderia ser importado como novo ou esbarraria na lei? Nesse
caso, o poder da secretaria é discricionário, não estando sujeito a
qualquer regra específica.
Nem mesmo
casos em que alguém retorne do exterior e queira trazer seu veículo são
definidos, estando sujeitos à mesma lei, exceto se você for membro do
Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Neste caso, a
importação de um veículo detido por um diplomata brasileiro que retorne
de atuação no exterior não apenas é permitida, como também bancada pelo
próprio ministério.
6. É proibido a qualquer posto permitir que o próprio cliente abasteça seu carro.
Comuns nos
Estados Unidos e na Europa, postos de combustíveis com bombas de
auto-serviço – isto é, bombas em que o próprio motorista abastece seu
carro – são expressamente proibidas no Brasil desde o ano 2000, por meio
de um projeto de autoria do ex-ministro Aldo Rebelo.
Segundo o
projeto, o intuito é evitar a perda de empregos na área, preservando, na
teoria, cerca de 500 mil vagas pelo país. Mas, quando analisados outros
projetos de autoria do mesmo político, como o projeto de 1994 que
impedia o setor público de adotar tecnologias que reduzissem a
necessidade de mão de obra, o caso se torna curioso.
Ainda mais curioso do que a própria regulação é saber que Aldo Rebelo veio a ser ministro de Ciência e Tecnologia.
7. A lei que proíbe de você de pagar a um amigo por uma carona.
Há algum tempo atuando no Brasil, os aplicativos de caronas pagas como Uber, Cabify ou 99POP enfrentam ainda inúmeras complicações com as legislações de âmbito municipal espalhadas pelo país.
Em nível
nacional, a situação ganha mais um complicador. Desde muito antes de
tais aplicativos existirem, nosso código de trânsito já previa que pagar
por uma carona é ilegal, o que na prática significa dizer que se você e
um amigo decidirem voltar da faculdade ou do trabalho para casa juntos e
você quiser colaborar com a gasolina, estará cometendo uma infração.
Ainda em
2014, um grupo de amigos de Goiás chegou a ser parado em uma blitz e
recebeu uma multa de R$ 5,4 mil por praticar carona paga. Dada a
bizarrice da situação, a Agência Nacional de Transportes Terrestres
acabou acatando o recurso e anulando a multa.
8. Em algumas cidades, é proibido beber na rua.
Nem mesmo
aquela cervejinha do final de semana está a salvo. Pelo interior do
Brasil, não são poucos os casos de cidades que decidiram combater
tumultos ou violência de uma maneira um tanto inusitada: proibindo o
consumo de bebida alcoólica em público.
Em Passo
Fundo, no interior do Rio Grande do Sul, e em Chapecó, no interior
catarinense, as medidas são rígidas e muitas vezes chegam a doer no
bolso do cidadão. Apenas este ano,
cerca de 14 pessoas na cidade de Passo Fundo chegaram a receber multas
de R$ 502 por tomar uma gelada no meio da rua.
Para
outras cidades, a proibição vale para jovens menores de 24 anos ou
apenas no final de semana. O certo é que se a segurança pública não
resolver, há muitos deputados dispostos a usar a criatividade em prol de
uma suposta redução da violência.
9. Café legalizado: só se não for adoçado.
Técnica comum no preparo de café no interior de São Paulo, servir a bebida já adoçada em bares e restaurantes paulistas pode colocar o empreendedor em conflito com a Lei Estadual n°. 10.297/1999, de autoria do Deputado Marcio Araújo.
O
texto legal determina que é “obrigatório aos bares, restaurantes e
similares, no Estado, ter à disposição do cliente o café amargo,
deixando-lhe a opção do uso de adoçante ou açúcar, podendo o
estabelecimento comercializá-lo nas duas maneiras”.
A justificativa
para a lei é recheada de boas intenções. Araújo se mostrou um homem
preocupado com os paulistas diabéticos. Para ele, o grande problema era
que “somente os grandes estabelecimentos comerciais oferecem aos seus
clientes o café amargo para que eles optem pela adocicação”. Além disso,
“muitas pessoas, devido às suas dietas, diabetes ou outras causas,
preferem o café amargo”.
O pior de tudo é que a lei, ainda em vigor, pode estar totalmente em descompasso com a ciência. Um estudo publicado pela revista Nature sugere que o consumo indiscriminado de adoçantes pode levar ao desenvolvimento de diabetes.
O pior de tudo é que a lei, ainda em vigor, pode estar totalmente em descompasso com a ciência. Um estudo publicado pela revista Nature sugere que o consumo indiscriminado de adoçantes pode levar ao desenvolvimento de diabetes.
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