Jornalista Andrade Junior

domingo, 18 de novembro de 2018

"Corporação insaciável",

editorial do Estadão

 Dias depois de o Senado ter aprovado um reajuste de 16,38% nos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que acarretará um gasto de R$ 6 bilhões por ano - pois no Judiciário o efeito cascata é imediato, já que o salário da cúpula pauta o dos escalões inferiores da instituição, nos níveis federal e estadual -, entidades de magistrados afirmaram que não admitem o fim do auxílio-moradia. 
Segundo os jornais, o reajuste que favoreceu a magistratura teria sido negociado pelo presidente Michel Temer e pelo novo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, em troca do fim desse penduricalho. No valor de R$ 4.377, ele é pago a todos os juízes, inclusive para os que têm casa própria no local em que atuam.
Apesar de seus membros terem sido beneficiados por esse acordo, essas entidades - lideradas pela Associação dos Magistrados do Brasil - agora exigem a criação de mais um benefício, em troca da extinção do auxílio-moradia, cuja constitucionalidade está sendo questionada no STF. Alegam que, como o reajuste de 16,38% apenas repôs a inflação dos últimos anos, o fim do auxílio-moradia acarretará uma redução nos vencimentos. 
Por isso, elas pressionam a mais alta Corte do País - inclusive com a ameaça de entrar em greve - para não julgar a matéria enquanto a magistratura não for agraciada com a criação de um adicional por tempo de serviço.
Para os juízes, que já estão entre as carreiras com os maiores salários e vantagens na administração pública, suas pretensões têm base legal, pois o auxílio-moradia está previsto pela Lei Orgânica da Magistratura. Contudo, o argumento é frágil, pois esse texto legal estabelece que esse tipo de ajuda de custo será concedido apenas “nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado”. 
E a tendência do STF é de restringir o pagamento desse penduricalho só a quem não tiver residência na comarca em que trabalha e não ocupe imóvel funcional.
Além do discutível argumento legal, muitos magistrados apresentam um argumento não menos frágil para defender pretensões absurdas. Eles afirmam que ganham menos que advogados e diretores jurídicos de grandes empresas e bancos, cujas petições têm de julgar. Esquecem-se, porém, de que não há similaridade com o mercado de trabalho privado. 
Além de poder ser demitidos a qualquer momento, o que não acontece com os juízes, os advogados e diretores jurídicos da iniciativa privada têm seus salários e benefícios condicionados aos resultados de seu trabalho. No Judiciário, os vencimentos são depositados rigorosamente todo mês. 
Não bastasse isso, muitos penduricalhos são pagos a título de “verba indenizatória”, motivo pelo qual não são levados assim em conta tanto no cálculo do teto do funcionalismo público quanto para pagamento de Imposto de Renda. 
E se, de fato, esses magistrados se acham em condições de auferir os melhores salários pagos pela iniciativa privada, que se demitam do serviço público e tratem de disputar as vagas que ambicionam.
As pretensões da magistratura são imorais em todos os sentidos. A corporação se esquece de que as finanças públicas estão em colapso, dada a tendência do Estado de gastar mais do que arrecada. Despreza o fato de que a conta dos 16,38% de aumento de seus membros será paga por todos os brasileiros, inclusive os 12 milhões que hoje estão desempregados. 
E quando acena com a possibilidade de deflagrar greve, para tentar obter mais um penduricalho, comete grave deslize institucional. Afinal, quem decide litígios e demandas não pode agir em causa própria por motivos pecuniários. 

Cruzar os braços é negar um serviço essencial a quem depende dos tribunais para proteger seus direitos, o que não só é proibido por lei, como também é uma afronta às noções mais elementares de justiça. Justiça é um princípio que muitos juízes parecem esquecer, quando veem no cargo que exercem basicamente um instrumento que lhes garante um bem-estar que é negado à maioria dos brasileiros.













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