editorial do Estadão
Dias depois de o Senado ter aprovado um reajuste de 16,38% nos
vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que
acarretará um gasto de R$ 6 bilhões por ano - pois no Judiciário o
efeito cascata é imediato, já que o salário da cúpula pauta o dos
escalões inferiores da instituição, nos níveis federal e estadual -,
entidades de magistrados afirmaram que não admitem o fim do
auxílio-moradia.
Segundo os jornais, o reajuste que favoreceu a magistratura teria sido
negociado pelo presidente Michel Temer e pelo novo presidente do STF,
ministro Dias Toffoli, em troca do fim desse penduricalho. No valor de
R$ 4.377, ele é pago a todos os juízes, inclusive para os que têm casa
própria no local em que atuam.
Apesar de seus membros terem sido beneficiados por esse acordo, essas
entidades - lideradas pela Associação dos Magistrados do Brasil - agora
exigem a criação de mais um benefício, em troca da extinção do
auxílio-moradia, cuja constitucionalidade está sendo questionada no STF.
Alegam que, como o reajuste de 16,38% apenas repôs a inflação dos
últimos anos, o fim do auxílio-moradia acarretará uma redução nos
vencimentos.
Por isso, elas pressionam a mais alta Corte do País - inclusive com a
ameaça de entrar em greve - para não julgar a matéria enquanto a
magistratura não for agraciada com a criação de um adicional por tempo
de serviço.
Para os juízes, que já estão entre as carreiras com os maiores salários e
vantagens na administração pública, suas pretensões têm base legal,
pois o auxílio-moradia está previsto pela Lei Orgânica da Magistratura.
Contudo, o argumento é frágil, pois esse texto legal estabelece que esse
tipo de ajuda de custo será concedido apenas “nas localidades em que
não houver residência oficial à disposição do magistrado”.
E a tendência do STF é de restringir o pagamento desse penduricalho só a
quem não tiver residência na comarca em que trabalha e não ocupe imóvel
funcional.
Além do discutível argumento legal, muitos magistrados apresentam um
argumento não menos frágil para defender pretensões absurdas. Eles
afirmam que ganham menos que advogados e diretores jurídicos de grandes
empresas e bancos, cujas petições têm de julgar. Esquecem-se, porém, de
que não há similaridade com o mercado de trabalho privado.
Além de poder ser demitidos a qualquer momento, o que não acontece com
os juízes, os advogados e diretores jurídicos da iniciativa privada têm
seus salários e benefícios condicionados aos resultados de seu trabalho.
No Judiciário, os vencimentos são depositados rigorosamente todo mês.
Não bastasse isso, muitos penduricalhos são pagos a título de “verba
indenizatória”, motivo pelo qual não são levados assim em conta tanto no
cálculo do teto do funcionalismo público quanto para pagamento de
Imposto de Renda.
E se, de fato, esses magistrados se acham em condições de auferir os
melhores salários pagos pela iniciativa privada, que se demitam do
serviço público e tratem de disputar as vagas que ambicionam.
As pretensões da magistratura são imorais em todos os sentidos. A
corporação se esquece de que as finanças públicas estão em colapso, dada
a tendência do Estado de gastar mais do que arrecada. Despreza o fato
de que a conta dos 16,38% de aumento de seus membros será paga por todos
os brasileiros, inclusive os 12 milhões que hoje estão desempregados.
E quando acena com a possibilidade de deflagrar greve, para tentar obter
mais um penduricalho, comete grave deslize institucional. Afinal, quem
decide litígios e demandas não pode agir em causa própria por motivos
pecuniários.
Cruzar os braços é negar um serviço essencial a quem depende dos
tribunais para proteger seus direitos, o que não só é proibido por lei,
como também é uma afronta às noções mais elementares de justiça. Justiça
é um princípio que muitos juízes parecem esquecer, quando veem no cargo
que exercem basicamente um instrumento que lhes garante um bem-estar
que é negado à maioria dos brasileiros.
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