por João Domingos
Jair Bolsonaro soube passar para o eleitor a mensagem de que era o candidato anti-PT, anti-Lula, antitudo o que está aí. Em resumo, o candidato antissistema. Vencida a eleição, veio a fase da montagem do governo. Até agora, pelo que se viu, Bolsonaro mantém uma coerência muito forte com o que disse na campanha e com suas escolhas: liberal na economia, conservador nos costumes e ideológico nas relações exteriores e na educação. Nessa parte, nenhuma surpresa, portanto.
Surpresa é a forma pouco política como Bolsonaro tem lidado com o Congresso. Se ele não fosse deputado há quase 28 anos, se não conhecesse as estruturas da Câmara e do Senado, poderia se dizer que o presidente eleito não sabe como é que o Parlamento funciona. Mas ele sabe como é que são as coisas por lá. Sabe, por exemplo, que se não tiver uma articulação política competente, presente, vigilante e influente, vai enfrentar problemas.
Bolsonaro pode dizer que ainda não assumiu o governo, que o próximo Congresso só tomará posse no ano que vem. Então, paciência, deixa a roda girar. Mas não é assim que as coisas funcionam. O que o Congresso decidir agora terá reflexos em todo seu governo. Como já ocorreu com a aprovação do reajuste para o Poder Judiciário, que representará gastos suplementares de pelo menos R$ 4,1 bilhões no ano que vem, além da aprovação de incentivos para montadoras, o que não estava na contabilidade do novo governo.
Para evitar que decisões desse tipo voltem a ser tomadas, Bolsonaro tem de se convencer de que, apesar de não ter assumido a Presidência, precisa pôr uma equipe de articuladores no Senado e outra na Câmara. Fisicamente. Como disse o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, que elogiou a escolha da equipe econômica do futuro governo, não adianta só ter boas intenções. É preciso que essas boas intenções tenham a companhia de uma boa articulação política.
Nesta semana, a Comissão de Orçamento do Congresso esteve reunida para tomar decisões importantes sobre o orçamento do ano que vem, o que diz respeito integral ao governo de Bolsonaro.
Sem receber qualquer indicativo de interesse da equipe de transição na adaptação agora do orçamento de 2019 à estrutura que será adotada pelo novo governo, a Comissão de Orçamento selou um acordo que vai dificultar uma eventual alteração da lei orçamentária. A proposta, fechada pelo colegiado, restringe o prazo para a equipe de transição solicitar mudanças ao relator-geral, senador Waldemir Moka (MDB-MS), ao fim da votação dos relatórios setoriais, prevista para 28 de novembro.
Um ajuste agora do Orçamento seria importante para que o novo governo já inicie o próximo ano executando as despesas sob o novo arranjo de ministérios e órgãos que está sendo preparado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro. Sem isso, a nova equipe econômica pode enfrentar problemas para executar alguns gastos, atrapalhando o funcionamento da máquina nos primeiros meses da gestão.
A repórter Idiana Tomazelli, do Estadão/Broadcast, acompanhou toda a reunião da Comissão de Orçamento. Ela procurou Moka para saber o que é que estava acontecendo. Moka respondeu: “Esse pessoal não tem muita ideia de governo, eu acho. Porque é esquisito eles ficarem anunciando fusão (de ministérios) e nós estarmos fazendo um relatório para a estrutura atual. Se essas fusões não estiverem previstas no orçamento, eles vão levar o ano inteiro (para resolver a questão). Ou eles estão fazendo propositadamente, ou é um desconhecimento”.
Moka lembrou ainda que em 2010, quando presidiu a Comissão de Orçamento, a equipe de transição de Dilma Rousseff indicou interlocutores que pediram alterações no Orçamento, todas acatadas pelo colegiado. A equipe de Bolsonaro ainda não fez nada disso.
O Estado de São Paulo
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