editorial de O Globo
Mantendo o hábito da alternância nas manobras, agora um grupo de
senadores se mobiliza para consumar alterações discutíveis na Lei da
Ficha Limpa. No final da atual legislatura pretende-se, em rito
expresso, mudar as regras sobre a inelegibilidade de agentes públicos
condenados e impugnados no espírito dessa legislação saneadora.
Até a Ficha Limpa, em 2010, os prazos de inelegibilidade eram variáveis.
Condenados ficavam inelegíveis por três anos. A nova legislação
aumentou o prazo para oito anos.
Houve questionamentos nas cortes superiores. E, em outubro do ano
passado, o Supremo decidiu que a Ficha Limpa vale para todos, com
aplicação, inclusive, em casos de abusos punidos com a inelegibilidade
por apenas três anos. Assim, os condenados por esses tipos de fraudes
contra interesses do Estado e da sociedade não podem assumir cargo e
função pública ou mandato eletivo por um período de oito anos.
Em reação, o senador Dalirio Beber (PSDB-SC) apresentou três semanas
depois projeto para garantir a quem teve decisão judicial transitada em
julgado, antes da Ficha Limpa, que sua inelegibilidade seja fixada em
três anos. Um retrocesso, à luz da interpretação do Supremo.
Ressalte-se, porém, a inquestionável legitimidade dessa proposta e seu
adequado foro, o Congresso.
Na época requereu-se urgência na tramitação do projeto. Nada aconteceu
nos 12 meses seguintes, até o último dia 7. Estranhamente, na sequência
da avalanche que impediu a reeleição de cerca de um terço dos senadores,
aprovou-se de maneira súbita a “urgência” requisitada em dezembro de
2017 para mudar a Lei da Ficha Limpa. Em votações assim repentinas,
costuma-se aprovar o original com adendos, os chamados jabutis
legislativos.
São recorrentes as manobras para mudar o caráter do sistema de repressão
à corrupção, lavagem de dinheiro e prática de caixa dois em campanhas.
Numa madrugada, em setembro de 2016, a Mesa da Câmara chegou a anunciar a
votação em plenário de uma anistia geral, sem que houvesse um projeto
conhecido, autores e relatores identificados. Foi impedida pela dura
reação do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ).
No Senado, agora, trilha-se outro caminho, na mesma direção: retroagir
no conjunto legislativo que balizou até aqui a Operação Lava-Jato. Seria
frustrar a sociedade, que foi às ruas em 2013 e acaba de reafirmar sua
posição pelo voto direto.
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