editorial do Estadão
Se a preocupação de todos os protagonistas da eleição concluída no
domingo era preservar a democracia, como dizem ter, então a primeira
atitude a tomar desde já é não apenas comprometer-se a respeitar o
resultado das urnas, mas principalmente a exercer bem e com serenidade o
papel que lhes caberá ao longo do próximo mandato presidencial – seja
como governo, seja como oposição –, de modo a privilegiar exclusivamente
o interesse maior do País.
Isso significa não somente que o vencedor da eleição não pode tratar a
oposição como inimiga, como a oposição precisa ter claro que seu papel é
o de eventualmente contestar medidas propostas e adotadas pelo governo,
e com as quais não concorda, e propor alternativas, e não acabar com o
País. Ou seja, a oposição precisa ser leal com o Brasil e com seu
eleitor, que não lhe conferiu um mandato político para sabotar o governo
e agravar uma crise que já foi longe demais. Afinal, não há democracia
se o diálogo entre forças políticas antagônicas está interditado por
definição.
É preciso que, de parte a parte, haja consciência do enorme desafio a
superar nos próximos tempos, e que um eventual insucesso do governo
eleito nessa empreitada pode comprometer o futuro do País por décadas.
Não é possível que o interesse particular deste ou daquele partido e
deste ou daquele líder político se sobreponha à tarefa essencial de
tirar o Brasil dessa profunda barafunda econômica, política e moral.
Não dá mais para apostar na surrada estratégia do “quanto pior, melhor”,
porque o resultado quase certamente será um retrocesso inaudito, cujas
maiores vítimas serão os mais pobres – dependentes de um Estado cada vez
menos capaz de fornecer os serviços mais básicos aos cidadãos. Se é da
defesa das classes menos favorecidas que se trata, como sugeriam os
discursos inflamados de quase todos os políticos nessa eleição, então é
preciso assumir a responsabilidade de trabalhar em conjunto para tirar o
País do atoleiro.
Nenhum partido ou movimento que se diz interessado no bem-estar do povo
pode se furtar a participar dessa empreitada. O clima de crispação da
campanha eleitoral sugere que será muito difícil, se não impossível,
alcançar algum consenso entre governo e oposição, mas é justamente em
momentos desafiadores como esse que os líderes políticos verdadeiramente
comprometidos com o País e com sua gente precisam se apresentar e
articular as bases mínimas para um acordo nacional.
Os atores que protagonizarão o jogo político nos próximos tempos
precisam recuperar o sentido da negociação democrática, em que se
respeita a opinião alheia como legítima, posto que igualmente chancelada
nas urnas.
É necessário mitigar urgentemente o clima de fim de mundo que parece ter
tomado conta do debate nacional. Numa atmosfera deletéria dessas, a
perspectiva de qualquer acordo, inclusive em temas comezinhos, torna-se
remota. Esquece-se da natureza essencialmente transitória dos
entendimentos políticos; tudo se torna definitivo e irredutível.
Perdeu-se, entre uma baixaria e outra, a capacidade de fazer concessões
para alcançar um consenso ao menos momentâneo, em vista do bem maior. A
lamentável campanha eleitoral – em que os contendores se acusaram
mutuamente de preparar uma ditadura – chegou ao fim e o País não pode
ficar cindido pelo clima da eleição.
A democracia é uma preciosa conquista dos brasileiros, que decerto não
concederão ao próximo presidente e àqueles que lhe farão oposição
delegação para prejudicar ainda mais o País. Ao contrário do que pode
parecer, é possível encontrar pontos de convergência para encaminhar as
reformas e outras medidas tão necessárias para a superação da crise.
Para isso, o primeiro passo é descer do palanque. Há muito tempo,
infelizmente, as questões mais importantes para o País têm sido
decididas tendo em vista somente a próxima eleição, o que dificulta
muito a formulação de políticas de Estado – isto é, que transcendem
partidos e interesses paroquiais. Os mandatários que assumirão as rédeas
do País a partir do ano que vem, no governo e na oposição, precisam ter
ciência de que não se faz uma democracia apenas com palavras de ordem.
Lealdade e cooperação – é isso o que a Nação espera de seu corpo
político.
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