por Monica De Bolle
Por mais que o embate futebolístico ainda esteja fresco na memória, por
mais que a alegria de ter passado para as quartas de final ainda
contagie, por mais que se castigue o técnico do México pela infeliz
entrevista pós-jogo, por mais que se queira tomar um lado no debate
internacional sobre a personalidade de Neymar, este artigo não é sobre o
2 a 0 do Brasil. O jogo entre os dois países se deu justamente no dia
seguinte das eleições mexicanas, pleito maior do que o de outubro no
Brasil. Em jogo estava a presidência da república, a composição do
Congresso, os governadores das várias regiões, além de outros cargos
públicos locais. Como já é de conhecimento geral, o grande vitorioso foi
o controvertido Andrés Manuel López Obrador, o Amlo, e seu partido, o
Morena.
Amlo não é novidade na cena política mexicana. Concorreu à presidência
em 2006 pelo Partido da Revolução Democrática (PRD) e por muito pouco
não venceu. Tentou novamente em 2012, depois de sair do PRD e formar
coalizão para apoiar sua candidatura. Parte dos partidos que integraram a
coalizão de Amlo em 2012 formaram o Morena, que se registraria
formalmente como partido político apenas em 2014. Além de concorrer à
presidência, Amlo foi prefeito da Cidade do México, e deixou o cargo com
cerca de 80% de aprovação.
Portanto, Amlo não é exatamente um outsider na política, embora sua
plataforma de campanha tenha sido a da renovação. Não custa lembrar que
há anos o México é governado basicamente por dois partidos hegemônicos: o
PRI do atual presidente, e o PAN do presidente anterior. A entrada de
Morena na presidência, quebrando a hegemonia partidária, não deixa de
ser renovação.
Mais surpreendente, entretanto, foi a vitória do partido de Amlo no
Congresso. Desde 1996, não gozava um presidente mexicano de maiorias nas
câmaras legislativas. No Senado, o Morena e seus partidos aliados
conquistaram 69 de 128 assentos, ou 54%. Na Câmara de Deputados, foram
310 assentos, ou 62% da casa. Somadas às vitórias em algumas eleições
locais, Amlo acaba de receber mandato pleno para conduzir reformas e
atender aos anseios da população mexicana.
O momento é complicado, e muitas de suas propostas – a luta contra a
corrupção e a violência, a redução da pobreza – enfrentarão obstáculos,
podendo trazer desalento mais à frente. Contudo, a grande lição mexicana
para o Brasil que brevemente terá suas eleições é que o desgaste
institucional e a desilusão do povo com seus representantes pode trazer
mudanças profundas desde que exista a liderança política necessária no
momento certo. Amlo, goste-se ou não do que representa, conseguiu reunir
o que era preciso para receber mandato completo, com todos os riscos
que isso traz.
E o Brasil? O Brasil tem circo de candidatos que não consegue articular
propostas e menos ainda mover corações. Quando falam, pouco dizem ou
dizem coisas que agradam alguns, porém amedrontam outros. A polarização
se acentua a cada dia que passa, e diante disso, todos temem falar dos
problemas do País. Os que defendem a reforma da Previdência têm medo de
detalhar suas propostas pois sabem que o risco de cair nas pesquisas de
opinião é alto – preferem as platitudes e as referências genéricas. Os
que sabem o real tamanho do problema fiscal brasileiro evitam delinear
como ajustarão as contas públicas por conta dos mesmos temores. Corremos
o sério risco de eleger alguém sem nada saber o que pretende fazer com a
política econômica.
Mas é ainda pior. O Brasil não corre o menor risco de eleger Congresso
coeso como acaba de fazer o México. A fragmentação prevalecerá, tornando
tudo ainda mais complicado para o novo ou nova governante. Ou seja,
caminha o Brasil para eleger alguém cujas propostas econômicas
desconhece por completo – a não ser por suas linhas gerais – e cujas
chances de sucesso no Congresso são mínimas.
Nada disso é novidade. Contudo, cabe olhar para cima. Como conseguiu o
México fazer a transformação que, ainda que arriscada, tem maiores
chances de dar certo do que qualquer cenário que possa se materializar
no Brasil? Por que lá a fadiga do eleitor entregou um caminho? Creio que
a resposta seja a liderança que sobra em Amlo e no técnico da seleção
canarinho.
ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY
O Estado de São Paulo
extraídaderota2014blogspot
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