Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

"Lula e a simulação",

 editorial da Folha de São Paulo

 Difícil imaginar como aquele senhor crispado, irritadiço, poderia se dirigir ao eleitorado na disputa de 2018 ao Palácio do Planalto.
Nos vídeos do depoimento de duas horas ao juiz Sergio Moro, nesta quarta-feira (13), viu-se Luiz Inácio Lula da Silva em posição defensiva rara na impressionante carreira do cacique petista.
Ali estava um ex-presidente já condenado, em julho, a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro —Moro o considerou culpado de receber propina da construtora OAS, na forma do célebre apartamento tríplex no litoral paulista.
Respondendo desta feita à acusação de ter sido beneficiado de modo ilícito com outros mimos imobiliários, pela Odebrecht, Lula teve de contestar, pela primeira vez, um relato feito à Justiça por um nome da cúpula do partido.
Abriu-se, dessa forma, fissura de dimensões até então nunca vistas no PT, sempre fiel a seu líder máximo e ao discurso de que as alegações de corrupção não passam de conspirata das elites nacionais.
O ex-ministro Antonio Palocci, segundo o qual Lula e Odebrecht pactuaram em 2010 propinas de R$ 300 milhões, foi descrito como "um simulador": "Ele é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade". Na réplica da defesa de Palocci, "dissimulado" seria o ex-presidente.
Ambos têm boa dose de razão. Cada um a seu modo, os dois personagens já deram fartas demonstrações de habilidade no manejo das afirmativas ambíguas, enganosas ou contraditórias.
Exemplo clássico é o da "Carta ao Povo Brasileiro", publicada sob influência de Palocci na primeira campanha presidencial vitoriosa de Lula —o documento prometia preservar a política econômica tucana, sem desautorizar de forma explícita as teses de oposição.
A parceria entre o simulador e o dissimulado permitiu ao primeiro governo lulista conciliar retórica de ruptura e prática ortodoxa, vital em um momento de crise. Trata-se de feito de reprodução muito improvável nos dias de hoje.
Por falta de alternativas, os petistas retornaram à pregação sectária contra as reformas e os inadiáveis ajustes no Orçamento. Rejeitam a responsabilidade não só pelos desvios bilionários mas também pela recessão brutal, decorrente de seus erros clamorosos na administração do país.

Com ou sem Lula, que corre o risco de ficar inelegível se condenado em segunda instância, o caminho para o centro —quase inevitável em um pleito de dois turnos— estreitou-se sobremaneira. Há tempo até 2018, mas hoje o partido parece refém de uma candidatura de negação e enfrentamento.




































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