editorial da Folha de São Paulo
Difícil imaginar como aquele senhor crispado, irritadiço, poderia se
dirigir ao eleitorado na disputa de 2018 ao Palácio do Planalto.
Nos vídeos do depoimento de
duas horas ao juiz Sergio Moro, nesta quarta-feira (13), viu-se Luiz
Inácio Lula da Silva em posição defensiva rara na impressionante
carreira do cacique petista.
Ali estava um ex-presidente já condenado, em julho, a nove anos e seis
meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro —Moro o considerou
culpado de receber propina da construtora OAS, na forma do célebre
apartamento tríplex no litoral paulista.
Respondendo desta feita à acusação de ter sido beneficiado de modo
ilícito com outros mimos imobiliários, pela Odebrecht, Lula teve de
contestar, pela primeira vez, um relato feito à Justiça por um nome da
cúpula do partido.
Abriu-se, dessa forma, fissura de dimensões até então nunca vistas no
PT, sempre fiel a seu líder máximo e ao discurso de que as alegações de
corrupção não passam de conspirata das elites nacionais.
O ex-ministro Antonio Palocci, segundo o qual Lula e Odebrecht pactuaram
em 2010 propinas de R$ 300 milhões, foi descrito como "um simulador":
"Ele é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade". Na
réplica da defesa de Palocci, "dissimulado" seria o ex-presidente.
Ambos têm boa dose de razão. Cada um a seu modo, os dois personagens já
deram fartas demonstrações de habilidade no manejo das afirmativas
ambíguas, enganosas ou contraditórias.
Exemplo clássico é o da "Carta ao Povo Brasileiro", publicada sob
influência de Palocci na primeira campanha presidencial vitoriosa de
Lula —o documento prometia preservar a política econômica tucana, sem
desautorizar de forma explícita as teses de oposição.
A parceria entre o simulador e o dissimulado permitiu ao primeiro
governo lulista conciliar retórica de ruptura e prática ortodoxa, vital
em um momento de crise. Trata-se de feito de reprodução muito improvável
nos dias de hoje.
Por falta de alternativas, os petistas retornaram à pregação sectária
contra as reformas e os inadiáveis ajustes no Orçamento. Rejeitam a
responsabilidade não só pelos desvios bilionários mas também pela
recessão brutal, decorrente de seus erros clamorosos na administração do
país.
Com ou sem Lula, que corre o risco de ficar inelegível se condenado em
segunda instância, o caminho para o centro —quase inevitável em um
pleito de dois turnos— estreitou-se sobremaneira. Há tempo até 2018, mas
hoje o partido parece refém de uma candidatura de negação e
enfrentamento.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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