editorial do Estado de São Paulo
É o caso de perguntar: se não tivesse se sentido obrigado a levar a
público a espantosa gravação, descoberta pela Polícia Federal, que expõe
a conspirata de Joesley Batista para demolir os alicerces da República,
livrando-se ao mesmo tempo dos muitos crimes que cometeu, teria Rodrigo
Janot se decidido a apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF), no
mesmíssimo dia, denúncia contra os dois ex-presidentes da República
petistas? Com essa denúncia tão flagrantemente atrasada - pois se refere
aos principais responsáveis pelos atos ilícitos que originaram as
investigações da Operação Lava Jato - Rodrigo Janot provavelmente almeja
deixar a cena pública sob a aura da coragem e da imparcialidade no
desempenho de suas responsabilidades institucionais. Haverá quem compre
essa versão. Mas nada evitará que essa triste figura venha a ser
lembrada na história da República como a de um oportunista desastrado
que não ficou conhecido pelo cuidado no manejo dos instrumentos legais a
serviço de sua função de procurador-geral da República.
De qualquer modo, seja porque a falta de rigor jurídico na montagem de
peças acusatórias é uma característica resultante das limitações
profissionais de Janot, seja porque às vezes ele julgue ser capaz de
calibrar os fatos para provocar sentenças de seu agrado, será necessário
esperar a manifestação do STF sobre a denúncia contra a quadrilha de
que Lula é o “grande idealizador”. Mas mesmo então não ficarão claras as
razões, do ponto de vista exclusivamente jurídico, que levaram o
procurador-geral da República a apresentar a peça acusatória contra Lula
et caterva no exato momento em que a grande expectativa nos círculos
políticos e na opinião pública girava em torno da desesperada defesa que
fazia de si mesmo e de seus atos, depois de conhecida a última
inconfidência do açougueiro de Anápolis.
A denúncia contra Lula e seus correligionários é a quarta a ser
apresentada pela PGR ao STF tratando de “quadrilhas” montadas por
políticos para assaltar os cofres públicos. As outras três investigam os
políticos do PP, do PMDB do Senado e do PMDB da Câmara. A demora na
apresentação da denúncia contra a “quadrilha” petista é estranha porque,
como o próprio Rodrigo Janot reconhece, esse grupo criminoso atua desde
que o PT chegou ao poder: “Lula foi o grande idealizador da
constituição da presente organização criminosa”, diz a denúncia, “na
medida em que negociou diretamente com empresas privadas o recebimento
de valores para viabilizar sua campanha eleitoral à Presidência da
República em 2002 mediante o compromisso de usar a máquina pública, caso
eleito (como o foi), em favor dos interesses privados deste grupo de
empresários. Durante sua gestão, não apenas cumpriu com os compromissos
assumidos junto a estes, como atuou, diretamente e por intermédio de
Palocci, para que novas negociações ilícitas fossem entabuladas como
forma de gerar mais arrecadação de propina”.
A gravidade dos fatos denunciados pela PGR a respeito de Lula e seus
comparsas só pode surpreender a quem não conhece ou prefere esquecer o
julgamento do mensalão, que culminou em dezembro 2012, quando a
presidente já era Dilma Rousseff, com a condenação dos “guerreiros do
povo brasileiro”, a então cúpula petista, por crimes como lavagem de
dinheiro, corrupção ativa e passiva, peculato e gestão fraudulenta. Esse
escândalo foi então considerado “o maior da história” no gênero.
Tratava-se apenas do início do assalto aos cofres públicos sob o comando
do PT no governo, que se ampliou com o chamado petrolão e resultou na
Operação Lava Jato.
Essa é a primeira denúncia de Janot atingindo Lula, numa ação penal que
tramita no STF porque um dos réus, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR),
tem direito a foro privilegiado. Na primeira instância, no caso do
triplex no Guarujá, Lula foi julgado e condenado 20 meses após a
apresentação da denúncia. Mas só agora chega ao STF a acusação de que
Lula chefia uma quadrilha. Até a terça-feira passada, Rodrigo Janot não
teve pressa. A sangria desatada ocorreu quando o procurador-geral,
objeto da incontinência verbal de Joesley Batista, de pedra virou
vidraça.
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