editorial do Estadão
Até sábado, Joesley Batista se achava capaz de dar as cartas. Pouco
antes de ser preso – depois que veio a público gravação de edificante
diálogo no qual fica clara sua intenção de manipular autoridades para
atingir seu grande objetivo, que era obter imunidade total para não ter
de responder pelos inúmeros crimes que confessou ter cometido –, o
empresário havia partido para a chantagem explícita. Mandara dizer que,
ou bem o obsceno acordo que o tornou livre como um passarinho continuava
de pé, ou então ele se recusaria a continuar sua colaboração com a
Justiça – e isso incluía até mesmo deixar de entregar gravações inéditas
que o empresário dizia ter em seu poder.
O certo a fazer seria deixar bem claro a Joesley Batista que, nesse
caso, ele passaria muito tempo na cadeia – exatamente como aconteceu com
o empreiteiro Marcelo Odebrecht, que também se julgava capaz de
constranger a Justiça a aceitar seus termos, mas desde junho de 2015
enfrenta os rigores da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, onde
chegou a dividir a cela com um traficante de drogas.
Mas Joesley, ao contrário de Marcelo Odebrecht, tinha razoáveis motivos
para acreditar que não seria abandonado, embora sua situação não fosse
nada confortável. Desde o início do imbróglio que protagoniza, o
empresário inspirou confiança no procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, que teve incomum disposição para acreditar nas intenções do
bem-sucedido açougueiro goiano e dar a ele tudo o que pediu, sem
titubear.
A tabelinha entre Joesley e Janot produziu uma das maiores crises
políticas da história do País e quase derrubou o presidente Michel
Temer, ao impingir-lhe grossas acusações de corrupção – baseadas em
flagrantes armados pelo empresário, munido de seu já célebre gravador.
Com o passar do tempo, contudo, avolumaram-se suspeitas de que a delação
de Joesley fora feita sob medida para que o empresário pudesse se
proteger da Justiça e para que Janot conseguisse denunciar Michel Temer
como o chefe da “maior e mais perigosa organização criminosa deste
país”.
Deveria ser um jogo de ganha-ganha: Joesley, depois de ter comprado
políticos e expandido seus negócios à custa de relações camaradas com os
governos lulopetistas, poderia tocar a vida em liberdade, manter o filé
de seus negócios e ainda jactar-se de ser “intransigente com a
corrupção”; Janot, por sua vez, passaria à história como o herói da luta
contra a corrupção e desinfetador da política nacional.
Mas então surgiu a famosa gravação em que Joesley e um executivo da JBS,
Ricardo Saud, revelam de que maneira se deu a articulação entre eles e o
time de Janot na Procuradoria-Geral para a realização da delação. Ficou
claro, ali, que Joesley pretendia usar a delação como forma de se safar
da Justiça. Para isso, bastava “falar a língua” dos procuradores,
conforme ele mesmo diz na gravação. Tudo isso, aparentemente, sob as
instruções de um dos principais assessores de Janot, então procurador
Marcelo Miller, que mais tarde viria a integrar a banca de advogados da
JBS.
A divulgação da gravação obrigou um constrangido Janot a vir a público
para dizer que ali havia fatos “gravíssimos” – como se os anteriores,
nessa história toda, já não fossem – e a pedir a prisão de Joesley, do
executivo Ricardo Saud e do ex-procurador Marcelo Miller. Mas o
procurador-geral foi compreensivo com seu colaborador premiadíssimo e
pediu apenas prisão temporária, que pode se estender por dez dias, no
máximo. Não teve o mesmo tratamento, por exemplo, o senador Aécio Neves
(PSDB-MG), igualmente grampeado por Joesley. Contra o parlamentar
tucano, Janot pediu prisão preventiva – isto é, sem prazo determinado –
sob o patético argumento de que o senador estava articulando a aprovação
de projetos de lei para minar as investigações contra a corrupção.
É perfeitamente natural, portanto, que Joesley tenha mantido a atitude
de quem acha que está no controle da situação, até a véspera de sua
prisão. Afinal, o esperto empresário habituou-se à complacência geral.
Começará a perceber que o jogo virou.
extraídaderota2014blogspot
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