editorial do Estadão
Em vez de esclarecer cabalmente o que ocorreu nas tratativas do acordo
de delação premiada com integrantes da JBS, a Procuradoria-Geral da
República (PGR) preferiu o caminho fácil de desmerecer os pertinentes
questionamentos sobre possível atuação de procuradores da República fora
dos trâmites legais. Depois que veio a público relatório da Polícia
Federal sobre o caso, a PGR emitiu uma nota que, longe do natural tom de
defensora da ordem jurídica, mais se assemelha às habituais respostas
de pessoas investigadas em crime de corrupção, interessadas tão somente
em não prestar contas à Justiça. O Ministério Público disse apenas que
se tratava de “conversas de terceiros fazendo suposições”.
As mensagens encontradas pela Polícia Federal no celular de Wesley
Batista, preso na quarta-feira passada, são, no entanto, muito mais que
simples suposições, e reforçam a necessidade de uma pronta investigação
sobre o que de fato ocorreu. Há fortes indícios de que pessoas do
gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tinham
conhecimento de que o ex-procurador Marcelo Miller atuava de “forma
indireta” nas tratativas que resultaram no acordo de colaboração
premiada firmado por executivos da JBS.
Há, por exemplo, uma mensagem de 5 de abril, dia em que foi publicada no
Diário Oficial da União a exoneração de Marcelo Miller do Ministério
Público Federal (MPF), sobre a viagem que ele faria no dia seguinte para
tratar do acordo de leniência da JBS nos Estados Unidos. Na mensagem,
uma das advogadas do grupo manifesta surpresa por, naquele dia, o chefe
de gabinete de Janot, Eduardo Pelella, já saber que Miller atuaria para a
JBS no exterior.
Segundo o relatório da Polícia Federal, “tais mensagens revelam que
membros da Procuradoria-Geral da República tinham ciência de que Marcelo
Miller estava atuando de forma indireta nas negociações da delação
premiada no dia seguinte à sua saída efetiva do órgão”.
Diante desse material, não cabe à PGR simplesmente negar o ilícito, sem
investigar. “Os integrantes da equipe do procurador-geral da República
só foram informados da participação do ex-procurador da República
Marcelo Miller nas negociações sobre o acordo de leniência depois de sua
exoneração, quando este participou de reunião com esta finalidade no
dia 11 de abril”, disse a PGR.
Ao dar por certo que nada de errado ocorreu, a PGR mais parece
preocupada em assegurar sua boa reputação do que em colaborar para o
cabal esclarecimento dos fatos. Tal reação, além de corporativista,
indica uma falta de transparência justamente num órgão que devia, por
força de sua missão constitucional, ser exemplo de lisura e de abertura.
Diante dos amplos poderes que a Constituição de 1988 lhe atribuiu, que
em geral são interpretados de forma um tanto extensiva, é imprescindível
que o Ministério Público não transija com malfeitos.
O que se viu no caso de Marcelo Miller não inspira muita confiança.
Vinham de longa data as suspeitas de uma atuação fora da lei do
ex-procurador quando ele ainda estava na PGR. Mas Rodrigo Janot, até 4
de setembro, dizia que não havia motivos para duvidar da lisura das
tratativas do acordo de delação da JBS. Depois, no dia 4, o
procurador-geral da República admitiu a ocorrência de “fatos
gravíssimos” envolvendo Miller. Agindo assim, a PGR assemelha-se uma vez
mais aos investigados em casos de corrupção. Num primeiro momento,
negam tudo. Depois, diante do surgimento de novas evidências, admitem um
pouco mais. Não condiz com a PGR esse tipo de postura, calibrando
versões.
As últimas revelações do imbróglio da delação da JBS são graves não
apenas por sugerirem uma atuação ilegal de outros integrantes da PGR,
além de Marcelo Miller. Elas indicam que talvez a declaração de Rodrigo
Janot no dia 4 de setembro, sobre o áudio com a conversa entre Joesley
Batista e Ricardo Saud, não seja fiel expressão da verdade. Cada vez há
mais fumaça de que o pessoal da PGR já sabia, muito antes de 31 de
agosto, quando receberam o tal áudio, que as coisas não eram tão limpas
como o Ministério Público insistia em dizer. É um acinte que o País
esteja sujeito a novas surpresas e a novas versões, agora não da parte
de bandidos, mas da própria PGR.
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