Roberto Macedo:O Estado de São Paulo
Como a Previdência Social brasileira enfrenta gravíssimo e crônico desequilíbrio orçamentário, medidas cabíveis seriam: a) mais e maiores taxas de contribuição; b) aumento do tempo de contribuição; c) outras restrições à concessão de benefícios, como o limite de idade, para reduzir o número de novos; e d) redução do valor de benefícios. E medidas fortes para serem eficazes.
A proposta de emenda constitucional (PEC) da Previdência enfatiza os itens b) a d), e focarei nas medidas mais importantes. Mais taxas de contribuição, somente para o setor rural, com alíquotas ainda por definir. E não veio, apesar de previsto no noticiário anterior à PEC, um justificável aumento das contribuições de servidores públicos não sujeitos ao mesmo teto das aposentadorias do INSS. Seu sistema próprio é muito generoso nos benefícios e caberia pagar mais por eles. Creio não ser matéria constitucional, e parece que no momento o governo não quer engrossar ainda mais a oposição a seu projeto. Ela será imensa, pois benefícios previdenciários futuros interessam a dezenas de milhões de brasileiros e suas famílias. Os já conquistados não seriam alterados.
A medida mais dura e de efeito positivo mais rápido sobre as contas do INSS é a que combina idade mínima com maior tempo de contribuição para obter aposentadoria de valor mensal que reponha a média dos salários de contribuição que servem de base para o cálculo do benefício. Média essa com período de cálculo ampliado para levá-la a um valor mais baixo.
O limite de idade proposto é de 65 anos, para homens e mulheres, e atualmente não existe no INSS. A aposentadoria só por tempo de serviço, hoje aos 35 e 30 anos, respectivamente, deixaria de existir. E o tempo de contribuição mínimo seria ampliado de 15 para 25 anos. A PEC inclui regras de transição da situação antiga para a nova, para homens e mulheres com idade igual ou superior a 50 e 45 anos respectivamente.
Entretanto, preenchidos esses requisitos de idade e tempo de contribuição, a aposentadoria alcançaria apenas 76% da referida média. Os outros 24% dependeriam de contribuição adicional, com cada ano somando 1% a esses 76%. Assim, para alcançar o valor máximo seriam necessários 25 + 24 = 49 anos de contribuição.
Creio que esses 49 anos configuram um “bode legislativo”, na forma de algo abjeto posto no texto para dar alguma margem a negociação com os parlamentares, sempre ansiosos por realizá-la. Mas na sua essência essa regra é defensável.
Também justificáveis são as propostas de impedir a acumulação de aposentadorias oriundas do setor público, bem como a de aposentadorias e pensões, com estas passando a valores mais restritos.
A PEC dá, ainda, mais um passo na direção de unificar as regras de aposentadorias do INSS com as do regime dos funcionários públicos efetivos e ocupantes só de cargos em comissão ou resultantes de eleição. Mas os que hoje integram esses grupos teriam regras de transição mais favoráveis. Além disso, os custos desse regime são exacerbados por outro grave problema, ainda por corrigir: em particular na área federal, o governo paga salários acima dos observados no mercado de trabalho privado em ocupações com requisitos de qualificação equivalentes.
O debate sobre a reforma da Previdência Social deve crescer muito com o anúncio dessa PEC. Mas não se pode restringir a questões pontuais, usualmente avaliadas como “maldades”, sendo indispensável estender-se aos benefícios da reforma para o País no futuro, este um aspecto típico dos sistemas previdenciários. Se a PEC for aprovada sem perder eficácia, ainda que com alguns arranhões em sua passagem pelo Congresso, tais benefícios seriam grandes. Além do impacto favorável sobre as contas públicas, estimularia as pessoas a trabalhar mais para obterem as melhores aposentadorias da previdência pública, e a poupar mais se quiserem aposentadorias e outros benefícios superiores aos que ela oferece. Quem discordar dessa frase deve apontar outros caminhos, pois não consigo vê-los.
A reforma exigiria sacrifícios pessoais. Mas, em face de seus desdobramentos positivos, poderia afastar do horizonte a assustadora perspectiva de nos transformarmos num país de idosos e pobres. E mais: a perdurarem as distorções que hoje contaminam a previdência pública, com efeitos negativos nas contas públicas em geral e no crescimento do produto interno bruto (PIB), seria inevitável aumentar fortemente a carga de contribuições para sustento dessa previdência.
No INSS, segundo previsões do economista Paulo Tafner, reconhecido especialista no assunto, seus gastos passariam de 7,7% em 2016 para 14,8% do PIB em 2030, quase o dobro. Esse cálculo supõe um crescimento do PIB de apenas 2% ao ano, o que é pouco, mas vale lembrar que própria expansão desses gastos acabaria por limitá-lo. Contribuições e impostos teriam de aumentar em magnitude equivalente, estimulando, inclusive, a fuga de jovens para outros países, deixando aqui uma enorme conta para seus pais e outros que não conseguissem escapar.
Nesse contexto, recorde-se que PEC que limita gastos federais, recentemente aprovada, não restringe as despesas previdenciárias, que subiriam pela descontrolada concessão de novos benefícios. Com isso prejudicariam outros gastos, que precisariam ser contraídos. Assim, inevitavelmente o Brasil tem agora diante de si uma escolha sempre adiada pela histórica irresponsabilidade fiscal de governantes, a imposta pela restrição orçamentária. Ou se gasta numa coisa, ou noutra.
Quanto ao “mas” do título, envolve tanto os senões apontados como o de que a PEC da Previdência precisa ser aprovada, num processo que levará a uma das maiores batalhas políticas do ano novo, e determinante de quão feliz ele será. E não só ele, mas também várias décadas subsequentes.
*Economista (UFMG, USP E Harvard), é consultor econômico e de ensino superior
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