Ives Gandra da Silva Martins: Folha de São Paulo
Li a entrevista da presidente afastada Dilma Rousseff publicada na Folha
do último domingo (29). Creio que ela não compreendeu ainda por que é
alvo de um processo de impeachment. A corrupção de seu governo e do
governo Lula é ignorada em sua fala e não há qualquer menção às suas
causas.
O maior assalto às contas públicas da história teve por núcleo a
destruição da Petrobras, da qual foi presidente do Conselho de
Administração. Dilma foi ainda ministra de Minas e Energia (governo
Lula) antes de chegar à Presidência da República. Em outras palavras: ou
foi conivente ou fantasticamente incompetente ao não ter detectado anos
e anos de saques ao Tesouro Nacional e a suas empresas.
Em resolução divulgada após o afastamento de Dilma, os dirigentes
petistas lamentaram o fato de não terem alterado as estruturas da
Polícia Federal, do Ministério Público e das Forças Armadas, assim como o
financiamento da imprensa.
Não modificaram porque não puderam, pois são instituições do Estado, não
do governo, e a imprensa é livre. A corrupção do governo petista foi
detectada por tais órgãos, que não estão subordinados ao Planalto.
Na referida entrevista, Dilma alega que todos os problemas do país -o
desemprego de 11 milhões de brasileiros, os desmandos do Bolsa Família
(muitos desvios detectados pelo Tribunal de Contas) e da reforma agrária
(muitos políticos tendo recebido terras), a queda vertiginosa do PIB e a
estrondosa superação da meta da inflação (muitos pontos acima do teto)-
são decorrentes de fatores externos.
Em nenhum momento reconhece o que de fato ocorreu: não soube dialogar com o Congresso nem apresentar projetos consistentes.
Comenta a delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio
Machado, que gravou conversas com líderes do PMDB sobre a possibilidade
de controlar a Lava Jato, sem mencionar o número de delações em que seu
nome e o do presidente Lula estão envolvidos. Também nada disse sobre as
prisões do tesoureiro de seu partido (João Vaccari Neto) e do
marqueteiro de sua campanha (João Santana).
É, portanto, uma entrevista regada a cinismo -além de ódio ao também
pouco confiável presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha-, na qual a
tese do golpe volta.
Quem são os golpistas? Os 367 deputados e 55 senadores que votaram pela
abertura do processo de impeachment? Os 11 ministros do Supremo Tribunal
Federal? O constituinte, que aprovou os artigos 85 e 86 da
Constituição, acerca dos crimes de responsabilidade do presidente da
República?
Ou ainda o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Regionais
Federais, que consideram ser a culpa grave (deixar roubar) um ato de
improbidade administrativa? O Parlamento, que aprovou lei na qual a
"omissão" é ato de improbidade?
O Instituto dos Advogados de São Paulo e o colégio de todos os Institutos de Advogados do Brasil publicaram livro,
inclusive com trabalho do relator da Constituição, Bernardo Cabral, em
que 21 renomados juristas mostram os inúmeros atos de improbidade
administrativa praticados, dos quais só um serviu de base
para o impeachment (os textos estão disponíveis no site Www.iasp.org.br/livros/impeachment).
O conselho federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ingressou com
um pedido de impeachment, ainda pendente na Câmara, com a descrição de
outros atos de improbidade não constantes da petição acolhida. É uma
acusação muito mais ampla.
A tentativa, pois, de desfigurar a democracia brasileira no exterior,
dizendo que é golpe, mas sem citar o nome dos golpistas, é profundo
desserviço à nação, além de violação à Lei de Segurança Nacional.
Lamento que a presidente afastada, em vez de se defender, procurando
explicar toda a imensa corrupção de seu governo, tente desfigurar os
fundamentos da democracia brasileira, cujas instituições funcionam em
estrita obediência à lei e à Carta da República.
extraídadeavarandablogspot
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