Em 1984, nós pedíamos, na Sé, além das diretas, uma “Constituinte livre e soberana”, que foi eleita em 1986. A Constituição em vigor, aprovada em 1988, é fruto desse processo. E é contra a Carta Magna que se mobilizaram nesta quinta os petistas e outros esquerdistas.
Por: Reinaldo Azevedo
Trinta e
dois anos depois de a Praça da Sé sediar o primeiro grande comício das
diretas-já, o local voltou a ser ocupado, nesta quinta, por
manifestantes — 40 mil segundo o Datafolha.
Há mais de
três décadas, democratas e esquerdistas dos mais variados matizes
cobravam o restabelecimento das eleições diretas para presidente da
República — a primeira safra de governadores escolhidos pelo povo havia
ocorrido dois anos antes, em 1982.
Era 25 de
janeiro, aniversário de São Paulo. Lembro-me como se fosse hoje. Os
petistas estavam na linha de frente do protesto e, ora vejam, naquele
tempo, só seus próprios integrantes escapavam das vaias da militância.
Até Ulysses Guimarães foi alvo de ofensas. Afinal, o partido não queria
conversa com burguês porque “dos trabalhadores”. Estupidez, sim! Mas
havia certa dignidade naquele radicalismo tosco.
Como não
observar? Quase metade desses 32 anos — estamos no 14º —, o país ficou
sob os cuidados do PT. Se, em muitos aspectos, continuamos a ser a terra
de desigualdades e iniquidades, muito se deve, então, à clarividência
dos companheiros, não é mesmo? Nesses 32 anos, ou eles estavam no
comando ou estavam sabotando soluções justas, como a reforma da
Previdência, que nunca fizeram nem deixaram que fizessem.
Ah, era
bom gritar contra o autoritarismo militar, a inflação, a corrupção. Com
todo o horror que uma ditadura sempre traz consigo, é claro que o regime
dos generais era um convento se comparado aos métodos petistas de
gestão. E não! Nem assim a ditadura era desculpável.
Trinta e
dois anos depois, os supostos 40 mil da Praça da Sé, reunidos em pleno
dia útil, não estavam reivindicando mais democracia, não estavam
defendendo o Estado de Direito, não estavam lutando por mais justiça.
Muito pelo contrário.
Os
esbirros do partido tomaram a praça para, na prática, defender o que
Wagner Moura chamou “um projeto de poder amparado por um esquema de
corrupção”. Bem, já não é mais projeto, mas obra. Não é apenas
“amparado” pelo esquema; ele é o próprio esquema.
Já virou
um clichê citar o Marx (relendo Hegel), segundo quem os fatos históricos
acontecem duas vezes: a primeira como tragédia; a segunda como farsa.
Raramente vi uma situação em que tal frase se encaixasse com tamanha
perfeição: em 1984, a tragédia da derrota das diretas; em 2016 a farsa
do falso golpe.
Em 1984,
nós pedíamos, além das diretas, uma “Constituinte livre e soberana”, que
foi eleita em 1986. A Constituição em vigor, aprovada em 1988, é fruto
desse processo. E é contra a Carta Magna que se mobilizaram nesta quinta
os petistas e outros esquerdistas.
A
manifestação de 1984 cobrava mais liberdade; a de 2016 quer o regime das
milícias partidárias; a manifestação de 1984 reivindicava um regime
pautado pelas leis; a de 2016 pede que a lei seja ignorada em benefício
de um partido; a manifestação de 1984 queria alinhar o país com as
vanguardas democráticas do mundo; a de 2016 tem como parâmetro a dita
“revolução bolivariana”; a manifestação de 1984 considerava a democracia
um valor universal; a de 2016 vê em tal regime apenas uma valor
instrumental.
Dilma tem
razão quando diz que, em 31 de março de 1964, chamaram um “golpe” de
“revolução”. No dia 31 de março de 2016, ela e seus aliados fizeram o
contrário: chamaram a revolução — a da lei — de golpe.
EXTRAÍDADECOLUNADEREINALDOAZEVEDOVEJA
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