EUGÊNIO BUCCI
REVISTA ÉPOCA
Em 2002, no auge de sua popularidade, com índices de aprovação batendo no teto, o então presidente Lula tinha tudo para ganhar sua terceira eleição consecutiva. Mas, como a Constituição não permite três mandatos seguidos a um chefe do Executivo, essa alternativa não existia. Lula tinha de se despedir de seu domicílio no Alvorada. Tudo o que podia fazer era indicar um nome para lhe suceder.
Foi assim que o nome de Dilma Rousseff entrou para a história do Brasil. Foi assim que a imagem de Dilma Rousseff começou a ser milimetricamente construída. Sem nunca ter passado por eleição alguma, sem liderar um único militante do PT, sem carisma dentro ou fora do partido, a então ministra da Casa Civil virou sinônimo de gestora genial, além de ter virado também a "mãe do PAC" (alguém ainda se lembra dessa sigla?). Sua figura austera e severa, avessa a conchavos, convescotes e tapinhas nas costas, ganhou a aura de suprassumo da competência administrativa, numa proeza notável do marketing político. Que funcionou direitinho. O eleitorado comprou essa imagem, e Dilma venceu o pleito de 2002, como a gerente ideal para tomar conta do Brasil.
A expressão "tomar conta" não é assim tão aleatória. Na cabeça de muita gente, aquele terceiro mandato vetado pela norma constitucional seria mais ou menos o mandato em que Lula sairia de férias. Alguém tomaria conta da casa, para que ele pudesse voltar quatro anos depois.
Agora, quando os quatro anos se passaram, o nome de Lula continua em alta (estratosférica) em todas as pesquisas. Ele tem tudo para regressar. Basta uma palavra, e o PT vai sagrá-lo candidato oficial. Não há nada a impedir esse caminho. Nada, a não ser a imagem de Dilma Rousseff. A titular da caneta que, no dizer de um jornalista arguto, é o mais poderoso partido político deste país quer permanecer no emprego. Se ninguém demovê-la dessa determinação, Lula, mesmo tendo tudo na mão, ficará de mãos atadas. A não ser...
A não ser que a imagem de Dilma derreta. Se sua fama de gerente ultracompetentíssima entrar em combustão, se ela não mais conseguir agregar os líderes da base aliada, se expoentes do PT aumentarem o volume das críticas que já fazem a ela, bem, nesse caso, ela poderia espontaneamente pedir para sair. Aí, então, abriria o caminho para Lula voltar nos braços dos cabos eleitorais. Sem desgaste. Ele estaria de volta não como um chefe ingrato e deselegante que desalojou do emprego a primeira mulher a presidir o Brasil, mas como o soldado que diz sim a uma convocação do povo. Ninguém lhe daria mais apoio que a própria Dilma.
A conjectura talvez pareça irrealista, mas é bom não desprezá-la. O cenário improvável começou a ganhar viabilidade concreta quando o PMDB se rebelou ferozmente contra ela. Bem se sabe que o PMDB, esse peculiar partido de centro no qual o centro está em toda parte, é o lastro da nau da governabilidade. Se ele pular fora, a coisa aderna. Por enquanto, os peemedebistas só ameaçaram, não produziram estragos maiores, mas já foi o suficiente para adensar o coro do "volta, Lula". Em seguida, estourou o escândalo da Petrobras, que vem aniquilando a reputação de gestora eficientíssima que Dilma segurou até aqui, meio aos trancos. Ainda em seus tempos de ministra, quando presidia o Conselho da estatal, ela deu aprovação expressa a um negócio que custou à Petrobras mais de US$ 1 bilhão. Não poderia haver notícia pior para uma gerente competente. Estamos falando, portanto, de uma imagem em franco derretimento.
Quem ganha com isso? Não, não são os opositores. Quem ganha é a coalizão que já está no poder e que, em caso de necessidade, tem na manga a melhor carta de todas: Lula lá de novo. Eis a sinuca em que se encontra a oposição. Se o mundo sorrir para Dilma, ótimo para o governo. Se, no entanto, Dilma derreter, tanto melhor.
Por um caminho ou por outro, o isolamento é o que mais se fortalece na órbita dela. A solidão aumenta à medida que a temperatura sobe. Dilma olha para os lados e não vê ninguém - a não ser o rosto onipresente de seu maior apoiador, também seu maior pesadelo, o único que pode destroná-la.
Para encerrar a história, uma ironia (sempre existe uma): a imagem de Dilma vai se desfazendo não pelos defeitos que ela tem, mas pelas virtudes que ninguém lhe tira. Deixando de lado os erros administrativos, indiscutíveis, é por ter dito um ou outro não aos caciques narcisistas, de reputação pouco ilibada, que ela agora tem de gerenciar seu próprio derretimento.
Em 2002, no auge de sua popularidade, com índices de aprovação batendo no teto, o então presidente Lula tinha tudo para ganhar sua terceira eleição consecutiva. Mas, como a Constituição não permite três mandatos seguidos a um chefe do Executivo, essa alternativa não existia. Lula tinha de se despedir de seu domicílio no Alvorada. Tudo o que podia fazer era indicar um nome para lhe suceder.
Foi assim que o nome de Dilma Rousseff entrou para a história do Brasil. Foi assim que a imagem de Dilma Rousseff começou a ser milimetricamente construída. Sem nunca ter passado por eleição alguma, sem liderar um único militante do PT, sem carisma dentro ou fora do partido, a então ministra da Casa Civil virou sinônimo de gestora genial, além de ter virado também a "mãe do PAC" (alguém ainda se lembra dessa sigla?). Sua figura austera e severa, avessa a conchavos, convescotes e tapinhas nas costas, ganhou a aura de suprassumo da competência administrativa, numa proeza notável do marketing político. Que funcionou direitinho. O eleitorado comprou essa imagem, e Dilma venceu o pleito de 2002, como a gerente ideal para tomar conta do Brasil.
A expressão "tomar conta" não é assim tão aleatória. Na cabeça de muita gente, aquele terceiro mandato vetado pela norma constitucional seria mais ou menos o mandato em que Lula sairia de férias. Alguém tomaria conta da casa, para que ele pudesse voltar quatro anos depois.
Agora, quando os quatro anos se passaram, o nome de Lula continua em alta (estratosférica) em todas as pesquisas. Ele tem tudo para regressar. Basta uma palavra, e o PT vai sagrá-lo candidato oficial. Não há nada a impedir esse caminho. Nada, a não ser a imagem de Dilma Rousseff. A titular da caneta que, no dizer de um jornalista arguto, é o mais poderoso partido político deste país quer permanecer no emprego. Se ninguém demovê-la dessa determinação, Lula, mesmo tendo tudo na mão, ficará de mãos atadas. A não ser...
A não ser que a imagem de Dilma derreta. Se sua fama de gerente ultracompetentíssima entrar em combustão, se ela não mais conseguir agregar os líderes da base aliada, se expoentes do PT aumentarem o volume das críticas que já fazem a ela, bem, nesse caso, ela poderia espontaneamente pedir para sair. Aí, então, abriria o caminho para Lula voltar nos braços dos cabos eleitorais. Sem desgaste. Ele estaria de volta não como um chefe ingrato e deselegante que desalojou do emprego a primeira mulher a presidir o Brasil, mas como o soldado que diz sim a uma convocação do povo. Ninguém lhe daria mais apoio que a própria Dilma.
A conjectura talvez pareça irrealista, mas é bom não desprezá-la. O cenário improvável começou a ganhar viabilidade concreta quando o PMDB se rebelou ferozmente contra ela. Bem se sabe que o PMDB, esse peculiar partido de centro no qual o centro está em toda parte, é o lastro da nau da governabilidade. Se ele pular fora, a coisa aderna. Por enquanto, os peemedebistas só ameaçaram, não produziram estragos maiores, mas já foi o suficiente para adensar o coro do "volta, Lula". Em seguida, estourou o escândalo da Petrobras, que vem aniquilando a reputação de gestora eficientíssima que Dilma segurou até aqui, meio aos trancos. Ainda em seus tempos de ministra, quando presidia o Conselho da estatal, ela deu aprovação expressa a um negócio que custou à Petrobras mais de US$ 1 bilhão. Não poderia haver notícia pior para uma gerente competente. Estamos falando, portanto, de uma imagem em franco derretimento.
Quem ganha com isso? Não, não são os opositores. Quem ganha é a coalizão que já está no poder e que, em caso de necessidade, tem na manga a melhor carta de todas: Lula lá de novo. Eis a sinuca em que se encontra a oposição. Se o mundo sorrir para Dilma, ótimo para o governo. Se, no entanto, Dilma derreter, tanto melhor.
Por um caminho ou por outro, o isolamento é o que mais se fortalece na órbita dela. A solidão aumenta à medida que a temperatura sobe. Dilma olha para os lados e não vê ninguém - a não ser o rosto onipresente de seu maior apoiador, também seu maior pesadelo, o único que pode destroná-la.
Para encerrar a história, uma ironia (sempre existe uma): a imagem de Dilma vai se desfazendo não pelos defeitos que ela tem, mas pelas virtudes que ninguém lhe tira. Deixando de lado os erros administrativos, indiscutíveis, é por ter dito um ou outro não aos caciques narcisistas, de reputação pouco ilibada, que ela agora tem de gerenciar seu próprio derretimento.
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