Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Por que o governo erra tanto? -

 CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ


O ESTADO DE S. PAULO -

A má condução da política econômica brasileira não decorre de meros equívocos de gestão

São sobejamente conhecidas as causas da quase estagnação da economia brasileira nos últi­mos anos. As condições internacio­nais tornaram-se menos favoráveis, principalmente o fim do boom de pre­ços das commodities e a elevação (ain­da relativamente modesta) dos juros internacionais de médio e longo pra­zos. Mas, mais importante, é o fracas­so, hoje inconteste, da nova matriz macroeconômica, o pomposo apeli­do escolhido pelo governo para a combinação de deterioração das contas públicas,perda de autonomia do Ban­co Central, ativismo cambial, política industrial alicerçada em subsídios e aumento do protecionismo para setores escolhidos e excessiva interferên­cia governamental na economia.

Esse diagnóstico já foi explorado adnauseam por vários e competentes analistas. Meu propósito neste artigo é tentar responder a questão que está no título, qual seja, a razão de o gover­no cometer tantos equívocos na condução da política econômica.

Todo governante sabe que em de­mocracias, em última instância, os eleitores o julgarão nas urnas pelo que sentem em seus bolsos. O célebre slogan do marqueteiro do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, Ja­mes Carville, "é a economia, estúpido!", dito há cerca de duas décadas, mantém- se mais atual do que nunca.

No Brasil, as pesquisas mostram que a queda na avaliação positiva do governo e a consequente redução nas intenções de voto em Dilma se devem principalmen­te à elevação da inflação, que acaba con­taminando a percepção do eleitor sobre outras questões tais como risco de per­der o emprego, aumento dos juros, etc.

Dessa forma, é óbvio que o governo não erra porque quer. Errar é humano, mas a má condução da política econômica brasileira não decorre de meros equí­vocos de gestão. A raiz do problema está na forte componente ideológica de membros do alto escalão governamen­tal, que os impede de entender e respei­tar os princípios básicos que regem o funcionamento de uma economia de mercado.

Na literatura há dois livros admiráveis que analisam os principais obstáculos ao crescimento econômico sustentável da maior parte das nações. O primeiro, The Elusive Questfor Growth (A Elusiva busca do crescimento),foi escrito em 2001 por Willian Easterly, economista que ocupou destacados postos no Banco Mundial.

O segundo, de 2012, Why Nations Fail? (Por que as nações fracassam?), de autoria de Daron Acemoglu e James Robinson, já é considerado um dos mais completos trabalhos escritos até o presente sobre a importância de instituições políticas in­clusivas para o crescimento econômico.

Mas quais as principais lições que po­demos extrair desses trabalhos que po­dem nos ajudar a entender as causas dos desacertos da política econômica brasileira? As ideias de Easterly podem ser resu­midas em uma única frase, usada com abundância em seu livro, qual seja, "as pessoas respondem a incentivos". O au­tor demonstra que muitos programas do Banco Mundial,baseados em perdão de dívida, ajuda externa e crédito barato, que visavam a promover a industrializa­ção de países pobres como Bangladesh e Paquistão, por exemplo, fracassaram porque as instituições sociais e políticas dessas nações não eram capazes de ge­rar incentivos corretos para o empreen­dedorismo. Aproximar-se da elite econô­mica, que também detinha o poder polí­tico, e angariar benefícios via corrupção e troca de favores era muito mais rentá­vel do que assumir riscos empresariais, mesmo dispondo de crédito altamente subsidiado para o investimento. Nesse ambiente não há espaço para a meritocracia e para a inovação.

Já o trabalho de Acemoglu e Robinson faz uma extensa e detalhada análise histórica, desde o período neolítico aos nos­sos dias, e demonstra de forma cabal que a diferença de crescimento econô­mico entre as nações não se deve, como muitos pensavam e alguns ainda pen­sam, a fatores geográficos, culturais, religiosos ou raciais. A linha divisória está na existência ou não de instituições sociais inclusivas, no sentido de que o sistema político não seja dominado por determinados segmentos da elite econômica que impedem o funcionamento da des­truição criativa, sem a qual não haverá inovação nem crescimento econômico sustentável.

Um ponto importante no trabalho de Acemoglu e Robinson é que a histó­ria demonstra que é possível nações com estruturas sociais não inclusivas, desde que dotadas de um governo cen­tral capaz de impor regras, registrarem fases de forte crescimento econômico induzido pelo Estado, como ocorreu na ex-União Soviética entre as décadas de 20 e 60 do século passado e que fasci­nou muitos analistas ocidentais em re­lação aos méritos do regime econômi­co comunista.

Mas os autores demonstram que tais crescimentos são temporários e autolimitantes, pois os detentores dos pode­res econômico e político impedem o funcionamento da destruição criativa, o verdadeiro motor do crescimento. Do Oriente Médio na Revolução Neolítica, passando pelo Império Romano e pela

União Soviética, a história está reple­ta de exemplos da ascensão, da estag­nação e do desmantelamento de eco­nomias baseadas nesse tipo de insti­tuição social excludente.

Portanto, compreender os princípios básicos que norteiam o funciona­mento das economias de mercado não é tarefa simples, tampouco intui­tiva. E é isso que falta aos principais responsáveis pela condução da política econômica brasileira, mais do que boa vontade de acertar. Sobretudo, há uma evidente dificuldade em cap­tar, em toda sua profundidade, a ideia aparentemente simples, mas va­liosa, de que as pessoas respondem a incentivos.

E esse desconhecimento que faz o governo acreditar que pode baixar na marra juros e tarifas de serviços públi­cos, aceitar alto risco de apagão por falta de energia, controlar preços, alte­rar constantemente as regras do jogo na economia,beneficiar setores esco­lhidos em detrimento de outros e não perceber que isso corrói os incentivos para investir e assumir riscos empre­sariais, a despeito da generosa oferta de crédito subsidiado. 

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